Diante de situações bem pessoais, onde entra em jogo os interesses de realização, o desejo de fazer só o que gosto, de buscar aquilo que considero “bom” e penso que mereço; diante de tudo o que faço, penso e  sinto que seja bom para mim, cultiva-se um leve sentimento de soberania e autossuficiência. No caminho de realização pessoal, não pode existir apenas o “eu”, como centro das atenções. Precisamos dar abertura para o outro,  aquele que  faz o mesmo ou outro caminho.

Ao lado destes sentimentos de autonomia e autorrealização, pode existir a ganância de superioridade, galgando os degraus da independência. Depender do outro parece coisa do passado ou de gente ignorante. Ninguém veio ao mundo sozinho, dependemos em tudo, até o dia do encontro definitivo com o Criador.

No livro “A Cabana”, Wilian P. Young relata um diálogo  entre Mark e Sarayu, que faz o papel do Espírito Santo. Mark diz: “Agora posso ver que gastei a maior parte do meu tempo e da minha energia, tentando adquirir o que eu achava que era bom, como segurança financeira, a saúde, a aposentadoria, ou sei lá o quê. E gastei uma quantidade gigantesca de energia e preocupação temendo o que determinei que era mau.

E Sarayu, com gentileza disse: Quanta verdade há nisso! Lembre-se: Isso permite que vocês brinquem de Deus em sua independência. Por essa razão, uma parte de vocês prefere não me ver. E vocês não precisam de mim para criar uma lista do que é bom e ruim. Mas precisam de mim, se tiverem qualquer desejo de parar com essa ânsia tão insana de independência. Então pergunta Mark: Há algum modo de consertar? Você deve desistir de seu direito de decidir sobre o que é bom e ruim e, escolher viver apenas em mim (Espírito Santo). É um comprimido difícil de engolir. Para isso, você deve me conhecer o bastante, a ponto de confiar em mim e aprender a se entregar à minha bondade infinita”.

O discernimento entre o que é bom e mau no direito de decidir, só pode ser alicerçado nos valores que vão além do humano pensar e sentir. Não existe realização pessoal ou satisfação em viver, sem que haja um relacionamento firme e decidido com a luz de Deus e seu Espírito.

Quantos erros cometemos com consequências negativas incalculáveis a nível pessoal e comunitário, porque nos colocamos como deuses e senhores de nós e dos outros. Somos o que somos por graça, e se “de graça recebemos também de graça devemos dar”. Devemos dar de nós mesmos, na abertura ao outro, a fim de baixar o nível de independência e construir juntos o bem, que não está longe de nós.

Parece brincadeira, mas tem muita gente brincando de Deus. Diante da Palavra ficamos calados, pois “não é aquele que diz: Senhor, Senhor que entrará no Reino, mas aquele que faz a vontade do Pai Deus”. O esquecimento de que somos criaturas e não criadores, colocados no mundo para povoar e aperfeiçoa a criação, faz com que, os absurdos da independência humana tomem lugar do respeito e do amor à criação e ao Criador.

Deturpamos com a maior tranqüilidade o fim pelo qual existimos e somos. Perdemos o grande horizonte da vida humana que é a busca de perfeição, e nos perdemos em meio às coisas passageiras tentando trazer para o aqui e agora, o que está reservado no  paraíso. Como diz Willam P. Young: “Comprimido difícil de engolir”, principalmente quando a pessoa humana brinca de Deus.   Ainda é tempo, você sabe que só tem um, descer do seu pedestal de criador e assumir a sua condição de criatura.

Dom Anuar Battisti

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