Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo de Juiz de Fora
Faz um mês. É de cortar o coração. As imagens são impressionantes e fazem chorar. É sofrimento a céu aberto. A angústia das famílias, das pessoas, da comunidade, da cidade inteira, de um Estado e de um País, que já haviam assistido cenas parecidas, há três anos, interroga à mente: até quando? O massacre foi cruel, crudelíssimo! Há, contudo, um cenário que é invisível: o que se passa na mente e no coração de quem perdeu entes queridos, e pior, que os perdeu e os corpos não foram achados. Este drama somente os travesseiros podem perceber. A angústia fere mais depois que a imprensa foi embora, os socorristas estão longe e o silêncio invadiu a noite. Até quando? O desastre, que poderia ter sido evitado, destruiu de forma irreparável as casas das famílias, construídas com sacrifícios de muitos anos, grande parte da natureza, do rio, de mais de cem ou duzentas pessoas que não voltaram para casa e nunca mais farão este caminho. A busca hercúlea dos bombeiros, dos trabalhadores, dos voluntários na ânsia de encontrar corpos para que possam ser sepultados dignamente, religiosamente, assusta a mente dos comodistas ou derrotistas. Mas, até quando? Todos os corações sensíveis, movidos pela fé e pelo amor ao próximo, não se darão o direito de ficar parados. Ao menos um pouco cada um pode fazer. Ao imaginar que, aos poucos, as notícias cessarão, o assunto ficará cada vez mais reduzido às estreitas fronteiras do local do acidente, as soluções e as reparações que a empresa responsável demorará a cumprir, fico a pensar: até quando? Até quando as visitas humanitárias, fraternais perdurarão?
Certamente, os feridos no corpo ou na alma, derramarão lágrimas furtivas, e terão espadas de dor atravessadas na alma que poucos perceberão. Até quando? Bem-aventurados os que, após o silenciar da mídia, continuarão a ser solidários e não cessarão de agir como irmão oferecendo seus braços para ajudar e seus ombros para alguém chorar.
Impressiona à alma a programação celebrativa deste final de semana, na Paróquia de São Sebastião de Brumadinho que, nos três últimos dias reúne fiéis, do alvorecer à noite, para orar, ouvir a Palavra de Deus, comungar o Corpo do Senhor, afinal celebrar a dor e a vitória do espírito sobre o mal e a morte. É fundamental clamar a Deus, agarrar-se a ele, agradecer-lhe pela sua atenção nestes momentos que parecem não ter fim.
A presença do Núncio Apostólico, embaixador no Papa no Brasil, para a Missa deste dia 25, significará a esperança da Igreja que crê na ressurreição e superação de todo erro, eliminando afinal, a força inexorável da morte. “Onde está tua vitória, ó morte? ” (Oz 13,14)
Dia 27, representantes do episcopado mineiro se reunião com o Governador do Estado, Romeu Zema e estudarão medidas para acudir as famílias, e ver atitudes preventivas para que não aconteçam mais desastres evitáveis, com ninguém.
Protestos e clamores invadem ruas da capital mineira, percorrem vales e colinas, chamando à atenção pela despreocupação com os seres humanos, dos que parecem visar apenas o lucro. Vale e outros. A estes, Cristo proclama novamente: “Ai de vós, ricos, porque já recebestes vossa consolação” (Lc 6,24). Virgílio grita outra vez “auri sacra fames” protestando contra a execranda fome pelo vil metal.
Até quando! Certamente esta pergunta soará como ostinato nos peitos dos que sofrem, dos que socorrem, dos que creem, dos que amam, dos que são inconformados com as injustiças e não se darão ao luxo de ficar parados diante de tragédias, vendo os que morrem, sofrendo com os que sofrem.
Ergo os olhos para o céu e rezo com todo as vísceras do meu ser: “ Do abismo profundo, clamo a vós, Senhor! Escuta meu clamor. Que teus ouvidos estejam atentos ao clamor da minha prece. ”
É forçoso concluir com a vítimas do lamaçal: sei que um dia viverei na terra dos vivos e cantarei as alegrias do meu povo, louvando livremente o Senhor!