Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro

Estamos iniciando o mês de agosto, mês em que a Igreja no Brasil comemora como o mês das vocações. Oportunidade de refletir sobre o chamado do Senhor em nossas vidas, desde nossa vocação à vida, enquanto dom recebido de Deus, nossa vocação batismal, onde participamos todos do tríplice múnus (missão, tarefa, encargo) de Cristo que é sacerdote, profeta e Rei, e nossas vocações específicas e de especial consagração: o matrimônio, o sacerdócio, a vida consagrada e a vida missionária.

A cada semana teremos uma intenção específica de orações e reflexões. Sabemos que os meses temáticos seguem um ritmo específico, mas que também nos ajudam a viver a liturgia de maneira mais direcionada.

Na primeira semana contemplamos e rezamos pelas vocações para o ministério ordenado: bispos, padres e diáconos. Neste domingo, dia 04 de agosto, seria o dia em que celebraríamos (se não fosse domingo) a memória de São João Maria Vianney, o Cura D´Ars padroeiro dos párocos e de todos aqueles sacerdotes que tem a cura de almas. Rezemos por nossos sacerdotes, por sua santificação e pelas vocações sacerdotais. Vamos bendizer a Deus por aqueles que dão a sua vida para serem os primeiros servidores das paróquias e em nossas comunidades. Façamos uma oração especial por nossos sacerdotes neste domingo. Que nossas vocações sejam santas, que não nos faltem vocações e que todos nós, em nossa caminhada, saibamos reconhecer a importância e a necessidade das vocações.

Na segunda semana de agosto, iniciando com o domingo comemorando o dia dos pais, recordamos, refletimos e rezamos pela vocação familiar. Realidade tão importante que até temos a semana nacional da família, que neste ano vai do 11 ao 17 de agosto e tem como tema: “A família, como vai?” temos que prepara-la muito bem!

Na terceira semana, recordamos a vocação à vida consagrada, que vai iniciar com a  celebração da Solenidade (transferida para o domingo) da Assunção de Nossa Senhora. Rezaremos por toda a vida consagrada e religiosa, junto com todos os tipos de consagração, para que continuem sendo sinal vivo neste mundo que passa das realidades que não passam.

Na quarta semana, rezamos pela vocação dos leigos e leigas, em especial, pelos ministérios leigos ao serviço da comunidade e também, no último domingo, comemoramos o dia do catequista, enquanto educadores fundamentais na fé.

Neste 18º Domingo do Tempo Comum, a Palavra do Senhor vem nos falar de uma necessidade muito grande nos dias de hoje: nossa vida de despojamento. Por sabermos que este mundo passa, devemos estar continuamente sintonizados e buscando as coisas do alto. Isso não significa que não devemos nos preocupar com o mundo de hoje. Nós nos preocupamos e muito, pois é aqui que realizamos nossa vocação e cumprimos a vontade do Senhor. É aqui que somos chamados a ser sinais de um tempo novo, com uma nova maneira de ser e de caminhar. Que a partir do prisma da busca das coisas do alto saibamos, saibamos considerar as coisas deste mundo, estando entre as coisas que passa, abraçar as que não passam, sabendo que tudo é passageiro, mas que nos ajuda a viver a vida de santidade e de conversão.

No Evangelho deste Domingo (Lc 12, 13-21), apresenta uma triste realidade ainda presente hoje em nossas famílias, que é a briga por herança. Por mais que nossas famílias sejam unidas, sempre há brigas por dinheiro e por heranças. Não só por herança, mas por tantas outras situações que, quando levam a colocar a mão no bolso, partilhar bens, economizar, ajudar em algumas situações, partilhar algum dom, facilmente nossas relações começam a ser abaladas. Infelizmente o deus dinheiro continua facilmente mandando no coração das pessoas: isso acontece nas famílias, nas paróquias, nas comunidades, onde existem seres humanos, no geral. Por isso, é importante que, de coração, busquemos as coisas do alto e saibamos dar o devido valor ao que temos no dia a dia. Se temos bens, é para que possamos fazer o bem, partilhar com os que mais precisam e edificar nossas vidas com o essencial. Essa é uma das grandes preocupações que o Papa Francisco tem apontado para a Igreja como um todo: o olhar para os pobres, os excluídos, para aqueles que perambulam pelas periferias existenciais. Temos uma grande e grave responsabilidade de transformar, a partir do Evangelho, essa sociedade onde a vida seja melhor respeitada e valorizada.

No Evangelho, ante a querela sobre a herança apresentada a Jesus, entre dois irmãos onde um pede a intervenção no reparto da herança: Alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: ‘Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo. ‘Jesus respondeu: ‘Homem, quem me encarregou de julgar ou de dividir vossos bens?’ E disse-lhes: ‘Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens.’ (Lc 12, 13-15).

Jesus vai responder afirmando que o problema não está no repartir os bens, mas sim na ganância de ambos. A vida de um homem não consiste na abundância de bens. A partir disso, conta-lhes então uma parábola:  ‘A terra de um homem rico deu uma grande colheita. Ele pensava consigo mesmo: ‘O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!’ Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste? ‘Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo,
mas não é rico diante de Deus.’
(Lc 12, 17-21).

No contexto geral da parábola, Jesus ensina mais uma vez a valorizar as coisas da terra com o olhar voltado aos céus. Jesus, ante a demanda apresentada, vai explicar o perigo de colocar o sentido da vida na busca de riquezas. O Papa Paulo VI assim nos recordava, falando sobre esta realidade: “Ter mais, tanto para os povos como para as pessoas, não é o fim último. Todo possuir pode ser ambivalente. Ele é necessário para permitir que o homem tenha atendidas suas necessidades humanas básicas, pode se converter em uma prisão a partir do momento em que se torna o bem supremo que o impede de olhar para as coisas celestes (Populorum Progressio , n. 19). A parábola contada por Jesus para exemplificar seu ensinamento é muito significativa, pois num primeiro momento, parece que aquele homem tem uma atitude prudente e que está agindo para prevenir: se a colheita foi boa, devemos guardar e não esbanjar. Mas Jesus corrige esta visão a partir de uma perspectiva mais profunda. Mostra que esta vida, embora seja vida, é pouca coisa: devemos viver com uma outra perspectiva, devemos ser ricos sim, mas ricos diante de Deus. Por isso, ter em vista a morte é uma riqueza para nossa vida. Até mesmo a filosofia mostra isso para nós: tanto os epicuristas como Heidegger, ao apontar o ser para a morte como caminho essencial para a existência autêntica, nos mostram isso. Sobre isso, afirmava também Santo Atanásio: Quem vive como se fosse morrer um dia, já que nossa vida é incerta por natureza, não se perderá, pois o verdadeiro temor de Deus extingue grande parte dos nossos desejos desregrados; ao contrário, aquele que acredita que terá uma vida longa, facilmente se deixa levar pelos prazeres.

Bem dentro da mentalidade hedonista existente ainda hoje, o personagem da parábola deseja somente uma boa vida. Podemos juntar muitas coisas, mas nossa vida material não é eterna, e todos iremos prestar contas a Deus. E esta prestação de contas pode acontecer a qualquer momento. Muitas vezes acabamos por só acumular coisas e não viver a nossa própria vida como dom, não sando os bens que temos para fazer o bem, para ajudar as pessoas que necessitam ou mesmo para compartilhar com nossas próprias famílias, servido depois como motivo de divisão.

Jesus fala do sentido e da motivação essencial de nossa existência: a vida do ser humano só se realiza e encontra plenitude quando ela se faz dom.

É nesse sentido que a primeira leitura, tirada do livro do Eclesiastes (1,2; 2, 21-23) colocando muito direta essa realidade da fragilidade da existência humana: Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.’ Por exemplo: um homem que trabalhou com inteligência,
competência e sucesso, vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro
que em nada colaborou. Também isso é vaidade e grande desgraça. De fato, que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol? Toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento.
Nem mesmo de noite repousa o seu coração. Também isso é vaidade.

A palavra do Eclesiastes e do Evangelho é um sério questionamento sobre o sentido último da nossa vida e sobre o como saber viver neste mundo, com dignidade, com justiça, tendo o necessário e sabendo construir um mundo onde todos possam viver também desta forma, de forma digna e que não nos falte o essencial, nem do corpo nem da alma. Este mundo, com todos os seus problemas de injustiça, nos acusa de estarmos vivendo inutilmente muitas vezes. Somente o coração do homem transformado pode nos fazer atentos ao que precisa ser mudado cada vez mais.

É nesse sentido que a segunda leitura, tirada da Carta de São Paulo aos Colossenses (Cl 3, 1-5.9-11) lembra isso para nós: Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl 3, 1-3). Com o nosso batismo fomos mergulhados em Cristo e nossa vida passou a estar escondida com Cristo em Deus. Morremos para este mundo e nascemos para a vida da eternidade. Temos os pés na terra, colocados em coisas concretas, mas com a alma e o coração ancorados na cidade permanente e nas realidades eternas. Mesmo aqueles que não tem fé ou que não acreditam na vida eterna, viverão melhor neste mundo quanto mais partilharem o que tem com os outros. “Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória.

Portanto, fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria. Não mintais uns aos outros. Já vos despojastes do homem velho e da sua maneira de agir e vos revestistes do homem novo, que se renova segundo a imagem do seu Criador, em ordem ao conhecimento. Aí não se faz distinção entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3, 5.9-11). Pés na terra e corações ao alto, vivendo já neste mundo fazendo o bem, não acumulando supérfluos, não tendo uma existência estéril, mas fazendo o possível naquilo que dependa de nós para que nosso mundo e nossos ambientes sejam lugares melhores de se estar. Embora estejamos sujeitos a interesses de governos e ideologias, a doutrina social da Igreja, a partir de uma visão de fé, nos convida a não nos conformarmos com esse mundo e à mentalidade que vem contra o próprio homem.

Eis os desafios que a Palavra do Senhor nos apresenta neste domingo. Participemos da missa e ouçamos atentamente a palavra do Senhor. Rezemos por nossos sacerdotes, em especial pelos sacerdotes de nossas paróquias, neste dia do Cura D´Ars e rezemos pelas vocações. Que juntos como Igreja, em meio a tantas lutas que enfrentamos, manifestemos a beleza do homem que se consagra ao Senhor e se coloca ao serviço da comunidade para ajudá-la a crescer cada vez mais.

 

 

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