Dom Anuar Battisti
Arcebispo emérito de Maringá (PR)
A Igreja celebra, depois da Solenidade de Corpus Christi, a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Estamos diante da grandeza do amor de Deus que se revela na pessoa de Jesus Cristo crucificado. Pela prática cotidiana da caridade e da solidariedade, possamos manifestar ao mundo que pertencemos ao Coração de Cristo.
A Primeira Leitura – Os 11, 1.3-4.8c-9 ensina que de Deus só sabemos falar à maneira humana, e Ele mesmo, quando quis entrar em diálogo conosco, falou-nos em linguagem de homem, que outra não sabemos entender. É nesta linguagem que o profeta nos anuncia, de maneira veemente, o amor de Deus por nós.
Na primeira Leitura penetramos na ternura de Deus: Ele narra ao seu povo quanto o ama, quanto se ocupa dele. Aquilo que Deus diz ao seu povo nesta Leitura tirada do capítulo 11 do profeta Oseias, fala a cada um de nós. E será bom pegar neste texto, num momento de solidão, para nos pormos na presença de Deus e ouvir: “Amei-te quando ainda eras uma criança; amei-te na tua infância; salvei-te; tirei-te da terra do Egito, livrei-te da escravidão”, da escravidão do pecado, da escravidão da autodestruição e de todas as formas de escravidão que cada um conhece, que teve e que ainda tem dentro de si. “Salvei-te! Ensinei-te a caminhar”. Como é bom ouvir que Deus me ensina a caminhar! O Todo-Poderoso abaixa-se e ensina-me a caminhar. Recordo esta frase do Deuteronômio, quando Moisés diz ao seu povo: “Ouvi, vós – eles têm a cabeça tão dura! – quando vistes um deus tão perto do seu povo, como Deus está próximo de nós?”. E a proximidade de Deus é esta ternura: ensinou-me a caminhar! Sem Ele eu não saberia caminhar no Espírito. “Eu segurava-te pela mão. Mas não compreendeste que Eu te guiava; pensavas que te deixaria sozinho”. Esta é a história de cada um de nós. “Eu atava-te com vínculos humanos, não com leis punitivas”. Com vínculos de amor, laços de amor. O amor liga, mas liga na liberdade; vincula dando-te espaço a fim de que tu respondas com amor. “Eu era para ti como aquele que aproxima uma criança do seu rosto e a beija. Eu inclinava-me e dava-te de comer”. Esta é a nossa história, pelo menos é a minha história. Cada um de nós pode ler aqui a sua própria história. “Diz-me, como te posso abandonar agora? Como te posso entregar ao inimigo?”. Nos momentos em que temos medo, na hora em que nos sentimos inseguros, Ele diz-nos: “Se Eu fiz tudo isto por ti, como podes pensar que te deixo sozinho, que te possa abandonar?”.
Na segunda leitura – Ef 3, 8-12.14-19 – o amor de Deus conhece-se pela manifestação que d’Ele nos é feita em seu Filho. É por Ele que nos é dado conhecer o desígnio do Pai, o qual não é outro senão o de chamar todos os homens para formarem um só corpo em Cristo Jesus, corpo este de que a Igreja é sinal.
No Evangelho – Jo 19, 31-37 – a melhor representação do Coração de Jesus é o Senhor crucificado, deixando sair do seu lado, aberto pela lança, o sangue e a água, figura dos sacramentos da Igreja, aí, nesse momento, nascida como Eva nascera do lado de Adão adormecido. A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus decorre do mistério celebrado na sexta-feira da Paixão do Senhor. No alto da cruz, o coração transpassado pela lança se abre para derramar bênçãos e graças sobre todas as pessoas. Do mesmo modo que a primeira mulher nasceu do lado de Adão, a Igreja, nova Eva, nasce do lado aberto de Cristo. O sangue e a água jorrados simbolizam, respectivamente, o sacrifício de Cristo e a presença transformadora do Espírito, e são, para nós sacramentos da salvação.
Na liturgia desta Solenidade a cruz e a morte de Jesus não são motivos de escândalo, mas, pelo contrário, são razões de nossa esperança e de nossa salvação. Por isso, não nos cansemos de pedir ao Senhor que ele faça nosso coração semelhante ao dele.
Caros irmãos, neste dia somos chamados a rezar pelos sacerdotes, particularmente pelos que sofrem, estão privados de seu ministério ou são vítimas de perseguição. Ser luz para o mundo, porque a experiência do encontro com o Senhor põe-nos na estrada do serviço aos irmãos; a sua Palavra não deixa que nos fechemos no privado da devoção pessoal e no perímetro do templo; e, sobretudo, a vida sacerdotal é um chamamento missionário, que exige a coragem e o entusiasmo de sair de nós próprios para anunciar ao mundo inteiro o que ouvimos, vimos e tocámos na nossa experiência pessoal (cf. 1 Jo 1, 1-3). Dar a conhecer aos outros a ternura e o amor de Jesus, para que cada um possa usufruir da sua presença que livra do mal e transforma a existência, é a primeira tarefa da Igreja e, portanto, o primeiro grande empenho apostólico dos presbíteros. Se há um desejo que temos de cultivar é o de “ser sacerdotes capazes de ‘elevar’ o sinal da salvação no ‘deserto’ do mundo, isto é, a Cruz de Cristo, como fonte de conversão e de renovação para toda a humanidade e para o próprio mundo” (Papa Francisco, Homilia na Concelebração Eucarística com os Missionários da Misericórdia, 10 de abril de 2018). O fascínio do encontro com o Senhor deve encarnar-se num compromisso de vida ao serviço do Povo de Deus, que, caminhando muitas vezes no vale obscuro das canseiras, do sofrimento e do pecado, precisa de Pastores luminosos e radiantes.
Prezados irmãos, alcançados pelo amor de Deus, celebrando a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus o Senhor Jesus, que nos amou até sua total doação na Cruz, quer que ser fonte de onde emana uma torrente de graças!
Sagrado Coração de Jesus, temos confiança em Vós!