Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
A Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria nos toca profundamente se a compreendemos à luz das palavras de São Paulo: “Deus nos escolheu, em Cristo, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor” (Ef 1,4). Maria é o modelo de santidade para todos nós! Nós não nascemos imaculados como Maria nasceu, por singular privilégio de Deus; o mal, pelo contrário, está em todas as nossas fibras e nas mais variadas formas. Estamos cheios de rugas: ruga é nossa preguiça, ruga a soberba, ruga a sensualidade desordenada que torna o espírito tão refratário à visita de Deus. Eliminar estas rugas e purificar-nos é trabalho de toda a existência: trabalho difícil e extenuante, mas indispensável, já que nada de impuro pode comparecer diante de Deus.
A doutrina da Imaculada Conceição sempre foi uma realidade muito constante nos escritos dos santos. Desde os primeiros séculos, a cristandade já recordava a Virgem Maria como aquela que fora preservada de toda mancha do pecado – a Tota Pulchra –, como canta a antífona própria desta festa. Ao contrário de Eva, Maria é a virgem imaculada que, recebendo em sua casa a presença de São Gabriel, respondeu com o seu sim: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua Palavra”.
E foi nesta firme convicção, “depois de na humildade e no jejum, dirigirmos sem interrupção as Nossas preces particulares, e as públicas da Igreja, a Deus Pai”, que o Papa Pio IX, num dos atos mais solenes de seu pontificado, declarou “a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente (…) foi preservada imune de toda mancha de pecado original”. Não por acaso, pouco tempo depois desta proclamação, em 1858, Nossa Senhora apareceria a uma jovem camponesa de Lourdes, na França, dizendo ser a “Imaculada Conceição”.
Antes da definição de Pio IX, no entanto, existiam algumas controvérsias teológicas quanto a esse ensinamento. Embora fosse de grande consenso a doutrina segundo a qual Maria nascera sem pecado algum – estando essa verdade presente não só na fé popular como também nos textos litúrgicos –, muitos teólogos viam com dificuldade a proposição, sobretudo porque não conseguiam entender de que modo isso poderia se relacionar com a redenção operada por Cristo no mistério da paixão. Afinal, sendo Maria Imaculada, teria ela necessitado da salvação?
A confusão teológica, contudo, ainda perdurou por algum tempo até que um frade franciscano, o bem-aventurado Duns Scoto, finalmente apresentasse uma explicação consistente. Scoto defendia que Maria havia sido salva já no ventre de Sant’Anna, tendo em vista o sangue de Cristo derramado na cruz. Uma vez que Deus não está preso ao tempo e ao espaço, Ele bem poderia utilizar os méritos da Paixão de Jesus antecipadamente, preservando Nossa Senhora das insídias diabólicas. Foi baseado nesta argumentação que o também bem-aventurado Papa Pio IX publicou a Bula Innefabillis Deus, pondo termo à controvérsia e definindo como dogma de fé a “Imaculada Conceição de Maria”.
Na Bula Innefabillis Deus, Pio IX usa duas passagens bíblicas para atestar a veracidade do dogma: Gênesis, capítulo 3 – o chamado Proto-Evangelho em que se narra a “inimizade” entre a serpente e a Mulher –, e Lucas, capítulo 1, no qual o evangelista relata a saudação angélica de São Gabriel: “Ave, Cheia de Graça, o Senhor é convosco”. Com esses dois textos, o Papa revela as evidências da santidade de Maria. Por ter sido agraciada desde o ventre de sua mãe, Maria é a inimiga por excelência do demônio; e sendo a “Cheia de Graça”, à qual “grandes coisas fez Aquele que é poderoso”, possui a mais perfeita amizade com Deus Nós, brasileiros, temos a grande graça de ter herdado de Portugal a devoção pela Imaculada Conceição de Maria. Embora muitas pessoas não saibam, é a Nossa Senhora da Conceição a Padroeira de Portugal. Isso porque foram naquelas terras que aconteceram as maiores batalhas em defesa da fé cristã e, sobretudo, em defesa da imaculada conceição. Numa época em que a península ibérica se via ameaçada pelas investidas dos mouros, os cavaleiros cristãos fizeram um pacto de sangue, a fim de preservar a fé católica da região. E venceram com a ajuda e intercessão da Imaculada. No Brasil, temos também como padroeira Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Ela, como “um exército em ordem de batalha”, convida-nos também a empreender um combate contra a serpente maligna que assalta nossa dignidade, nossos filhos e nossa fé. É interessante que a Imagem encontrada no Rio Paraíba era da Imaculada Conceição, por isso, o Título
de Nossa Senhora Aparecida é: Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a Imaculada Conceição. Ao Celebrarmos o Jubileu de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, queremos pedir a ela todas as graças e bênçãos.
Rezemos a Ela, a Auxilium Christianorum, para que interceda parea sermos sempre fiéis no caminho do Teu Filho. Possamos cumprir bem a nossa missão e saibamos ser homens e mulheres que vivam a misericórdia.
