O evento foi uma iniciativa da Cáritas Internacional, CIDSE e organização Franciscana Internacional. Também participaram do evento o arcebispo de Dioulasso, em Burkina Fasso, dom Paul Yembuado Ouédraogo, e o observador permanente da Santa Sé na ONU, arcebispo Francis Chullikatt.
Em seu discurso, o cardeal ressaltou que “a centralidade da pessoa humana no Princípio 1º da Conferência de 1992 é um lembrete de que o desenvolvimento sustentável não é alcançado através do desenvolvimento econômico, ambiental ou político isoladamente, mas antes, e acima de tudo, deve ser medido pela sua capacidade de promover e salvaguardar a dignidade da pessoa humana”.
Dom Odilo recordou a responsabilidade da sociedade para com o meio ambiente e ressaltou, porém, que não se pode tirar a dignidade humana e nem deixar de lado o direito a vida “a centralidade da pessoa humana requer que a sociedade meça o progresso econômico sobretudo pela capacidade de promover a pessoa humana. Isso requer que a ética não seja separada das tomadas de decisões econômicas, mas sim que seja reconhecida”.
Ao finalizar seu discurso, o arcebispo reforçou que a Santa Sé tem procurado “promover um desfecho que respeite a dignidade da pessoa humana”, e que o maior recurso do planeta é o ser humano. E este está “no centro do desenvolvimento sustentável”.
Leia a íntegra do discurso, em tradução cedida pela Arquidiocese de São Paulo.
AGRICULTURA & SOCIEDADES SUSTENTÁVEIS: Segurança alimentar, Terra e Solidariedade
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
Rio de Janeiro
Centro de Conferência
Excelências, Senhoras e Senhores,
É uma honra e um grande prazer estar aqui hoje como enviado Especial de Sua Santidade o Papa Bento XVI à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Primeiramente, gostaria de agradecer Sua Excelência Arcebispo Francis Chullikatt por sua dedicação permanente, tanto nas Nações Unidas, quanto nesta Conferência.
Ainda, gostaria de agradecer Sua Excelência Arcebispo Paul Ouedraogo, Senhora Gisele Henriques, Senhora Cristina Dos Anjoys e Senhora Maria Elena Aradas por terem se juntado a nós neste dia. O trabalho, a nível base, da CARITAS Internationalis, CIDSE e da Franciscans International, é uma grande contribuição para a promoção do ser humano centrado no desenvolvimento sustentável.
Vinte anos atrás, líderes do mundo vieram para o Rio de Janeiro para estabelecer um novo modelo e estrutura para promoção do desenvolvimento sustentável. Nessa reunião, eles reconheceram que, na da promoção de uma nova e mais justa parceria para o desenvolvimento sustentável, o princípio básico que deve orientar o desenvolvimento global exige colocar a pessoa humana no centro das preocupações para o desenvolvimento sustentável. A centralidade da pessoa humana no Princípio 1 da Conferência de 1992 é um lembrete de que o desenvolvimento sustentável não é alcançado através do desenvolvimento econômico, ambiental ou político isoladamente, mas antes, e acima de tudo, deve ser medido pela sua capacidade de promover e salvaguardar a dignidade da pessoa humana.
Agora, vinte anos depois, nós continuamos a ver as consequências para o desenvolvimento humano quando a pessoa humana não é colocada no centro desenvolvimento político, ambiental ou social, mas é bastante colocado à sua mercê. A contínua promoção das abordagens neo-malthusianas para o desenvolvimento, que veem o ser humano como obstáculo para o desenvolvimento, em vez de um benefício para este, levou à adoção de programas que promovem a destruição da vida humana e desenvolveu uma cultura hostil à vida. Os efeitos de uma abordagem não centrada no ser humano pode ser verificada no envelhecimento de comunidades ao redor do mundo hoje e nos milhões de órfãos que nunca tiveram a aportunidade de nascer e cujas contribuições graduais para o nosso planeta, portanto, ficarão para sempre em falta.
A centralidade da pessoa humana requer que a sociedade meça o progresso econômico sobretudo pela capacidade de promover a pessoa humana. Isso requer que a ética não seja separada das tomadas de decisões econômicas, mas sim que seja reconhecida. A ética da justiça e da solidariedade serve como a fundação de uma eficiência social e econômica, crucial para reparar injustiças e reformar instituições fundadas para perpetuar a pobreza, o subdesenvolvimento e a degradação ambiental, permitindo a todos o direito de participar na vida econômica para o progresso de suas comunidades e sociedades. Quando a dimensão ética é negligenciada na elaboração de políticas econômicas, podemos facilmente ver os efeitos desumanizantes e desestabilizantes resultantes de um crescimento econômico realizado à custa do detrimento dos seres humanos.
A atual crise financeira e econômica atesta os perigos do desenvolvimento econômico que desdenha imperativos éticos e morais e demonstra que o interesse próprio e a ganância apenas fomentam o agravamento da desigualdade social e da divisão. A consequência de uma ordem econômica ambivalente com os imperativos morais e éticos pode ser visto nos rostos das mulheres e homens desempregados que lutam para sustentar suas famílias, na agitação política crescente que assola o mundo, enquanto os líderes políticos tentam estabilizar a sistemas econômicos, na brutalmente verificada nas vidas dos mais pobres da sociedade, cujos filhos morrem de fome ou sucumbidos por doenças facilmente tratáveis e controladas. Estas realidades emergem onde as políticas econômicas não conseguem reconhecer o vínculo essencial entre a moralidade e a vida econômica.
A centralidade da pessoa humana no desenvolvimento sustentável deve orientar não só o trabalho dos gestores políticos, mas também do setor privado. Embora o desenvolvimento da riqueza seja um objetivo da economia, a criação de riqueza deve se concentrar no progresso em qualidade e da moralidade, e não apenas na quantidade de riqueza gerada. Quando a acumulação de riqueza for valorizada como um bem social em si, ciclos insustentáveis de produção e consumo vão continuar a provocar o esgotamento inexorável de recursos, deixando as pessoas e as comunidades ansiosas por uma felicidade autêntica. O que é necessário, antes, é o meio para a promoção do desenvolvimento humano integral, que reconhece que o real desenvolvimento solicita mais que o simples desenvolvimento econômico, social ou políticos, mas exige, acima de tudo, que o desenvolvimento da pessoa humana seja mantido na frente e no centro de tudo.
A encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in veritate, elabora as necessidades da promoção do desenvolvimento integral, a fim de estimular o verdadeiro desenvolvimento humano e, portanto, o desenvolvimento sustentável. Tal desenvolvimento integral requer o reconhecimento que abordagens puramente institucionais para o desenvolvimento não podem ser suficientes para o genuíno desenvolvimento, mas que cada membro individual da sociedade é dotado de uma atitude vocacional que livremente assume a responsabilidade, na genuína solidariedade para com o outro e toda criação.
O reconhecimento de uma dimensão ética para o desenvolvimento não se limita apenas à criação de riqueza, mas também é relevante para o nosso papel como administradores da criação. Nós não somos chamados para subjugar e dominar a criação (cf. Gn 1:28) sem referência a quaisquer critérios determinados . Em vez disso, estamos a exercer este mandato numa gestão responsável da criação para o florescimento da geração atual e as futuras gerações. Isso requer o reconhecimento de uma responsabilidade primordial para com o meio ambiente para a melhora de o nosso futuro e que de todo o planeta.
A gestão adequada da criação reconhece a importante contribuição que a ciência e a tecnologia trazem para a proteção ambiental e fornece os recursos necessários para a sobrevivência humana. No entanto, os avanços tecnológicos e científicos devem ser sempre prudentes e responsáveis, para que seus reais objetivos sejam servir toda a humanidade. Os avanços científicos e tecnológicos não podem, portanto, tornarem-se um novo meio para a criação de barreiras para os pobres, nem podem ser permitir provocar novos, longos e duradouros detrimentos que ferem o delicado equilíbrio de vários ecossistemas nossos.
O direito à alimentação e à água potável continua a ser dois dos mais elementares direitos humanos que ainda não foram cumpridos em tantas partes do nosso planeta. Os avanços científicos e tecnológicos certamente tornaram possíveis que toda a comunidade internacional pudesse se beneficiar da generosidade de criação para o bem de toda a humanidade, mas milhões de pessoas ainda vivem sem esses direitos mais básicos. Uma ordem internacional mais eficaz requer mais solidariedade e maior responsabilização perante os nossos irmãos e irmãs, especialmente os mais necessitados. As crianças que passam fome e morrem de disenteria são nossas crianças: isso não é problema local, mas é um problema que requer que toda a comunidade internacional se una para trabalhar para cumprir o mais básico dos direitos humanos.
O progresso tecnológico, científico e humano tornou-se de vital importância se quisermos abordar a segurança alimentar e a promoção de produtos agrícolas saudáveis e boa gestão da terra. Como o Papa Bento XVI tem sublinhado recentemente, “a fome não é muito dependente da falta de coisas materiais como na escassez de recursos sociais”. Para resolver esta falta de recursos sociais é imperativo máximo que os líderes da sociedade tomem as medidas necessárias para resolver as causas estruturais da insegurança alimentar e promovam um maior investimento no desenvolvimento agrícola nos países pobres.
Com o acesso maior e mais equitativo às mercadorias e às tecnologias agrárias, como a irrigação e o eficiente armazenamento e transporte de mercadorias e de transporte e a remoção de programas do mercado distorcidos, podemos fazer uma contribuição substancial para a resolução da segurança alimentar e erradicação da pobreza.
No desenvolvimento de tais políticas, temos de assegurar que a cooperação, em conformidade com o princípio da subsidiariedade, oriente nossos esforços para garantir estas escolhas das comunidades locais e precisam ser tratadas de forma adequada e tidas em consideração. Assim, a agricultura, a assistência ao desenvolvimento e os programas de reforma agrária não deveriam ser implementados de cima para baixo, mas deveriam sim ativamente ser levados em consideração e cooperar com as comunidades locais.
Um dos primeiros passos a serem tomados no tratamento a reforma agrária é resolver a falta de direitos de terra e propriedade por marginalizados dentro da sociedade. A crescente concentração da propriedade da terra e produção agrícola por poucos apresentam uma obrigação moral para os líderes políticos e sociais para encontrar meios equitativos e justos para uma reforma agrária em longo prazo. Em particular, maiores investimentos em agricultura familiar e pequenas propriedade proporcionam uma oportunidade única, tanto para apoiar a família e quanto para apoiar um futuro mais sustentável para a agricultura em longo prazo.
O destino universal dos bens da terra também se aplica à água, esse elemento vital, essencial para nossa sobrevivência e para a agricultura. A Sagrada Escritura tem também a água como um símbolo de vida, sustento e purificação. Por sua própria natureza, a água nunca pode ser tratada como mais uma mercadoria, mas deve sim ser reconhecida como um direito inalienável de ser compartilhada em solidariedade e generosidade com os outros. A água é um bem público, o que significa que é da responsabilidade da liderança política garantir que todas as pessoas tenham acesso à água potável, especialmente os pobres. O descumprimento de obrigações tais resultados em sofrimento, conflitos e doenças e, portanto, prejudica o direito inerente à vida.
Ao redor do mundo, graves problemas ecológicos e humanos exigem uma mudança fundamental no estilo de vida se quisermos ser melhores administradores da criação e promover uma mais justa comunhão econômica internacional. Métodos de produção de alimentos, portanto, demandam análise atenta para garantir o direito a alimentos suficientes, saudável e nutritiva e água, e para alcançar esse direito, de forma a reconhecer as nossas obrigações de proteger o meio ambiente como uma herança compartilhada para as gerações atuais e futuras.
Isto exige romper com o longo ciclo de mais de consumo e produção, de pobreza e de degradação ambiental. Aqui, devemos reconhecer que todas as decisões econômicas têm implicações morais que exigem de nós redescobrir os valores de longa data da sobriedade, da temperança e auto-disciplina. Um mundo no qual os ricos consomem uma percentagem esmagadora de recursos humanos e naturais é escandaloso e chama para uma renovada disposição para se tornar mais consciente da interdependência de todos os habitantes da terra. A autêntica solidariedade global deve motivar indivíduos e líderes políticos a reavaliar suas escolhas de estilo de vida, a fim de fazer escolhas que promovam a dignidade humana e a solidariedade global. A este respeito, devemos reconhecer o papel fundamental que a família desempenha na aprendizagem e ensino dos valores necessários para se formarem cidadãos responsáveis que fazem escolher responsáveis de estilo de vida.
Antes de concluir, eu gostaria de tocar em algumas das preocupações constantes da Santa Sé no processo de negociações. Enquanto a Santa Sé tem procurado promover um desfecho que respeite a dignidade da pessoa humana, nós continuamos a ver algumas delegações tentando promover estas questões como “dinâmica populacional” ou “direitos reprodutivos”, como uma forma de desenvolvimento sustentável. Estas propostas são baseadas em uma noção errada de que o desenvolvimento sustentável e a proteção ambiental só podem ser alcançados através da garantia de que haja menos pessoas em nosso planeta. Sublinhada por uma hermenêutica da suspeita que fere profundamente a solidariedade humana, tal ideologia levou a um alarmante destruição na família e, fundamentalmente, priva o planeta de seu maior recurso, a pessoa humana, que está no centro do desenvolvimento sustentável.
Além disso, um grande volume de trabalho continua em busca um olhar para o futuro consciente, ciente que o documento resultante é de responsabilidade de todos os países. Os esforços para assegurar que os países em desenvolvimento tenham acesso à tão necessária amigável tecnologia ecológica, e financeira para a transição para um futuro mais sustentável são apenas dois dos muitos exemplos em que uma maior solidariedade entre países em desenvolvimento e nas economias desenvolvidas é necessária, se quisermos fazer uma diferença duradoura no mundo. Da mesma forma, maior solidariedade é necessária para promover o acesso a empregos decentes e cuidados básicos de saúde, bem como os direitos dos migrantes. Essa é a nossa esperança, que o texto final do documento seja satisfatório na abordagem destas questões para que possa ser dito de contribuir para o bem-estar material e espiritual de todas as pessoas, suas famílias e suas comunidades.
Obrigado.