Morte e Vida
Sete meses se passaram desde que atravessei o atlântico para me lançar na missão “ad gentes” e ancorar no mundo e na cultura africana até então por mim desconhecidos. Desta vez escrevo como aluno do curso de língua e cultura Mackua, oferecido pela arquidiocese de Nampula aos missionários estrangeiros.
Aqui é tempo de fortes chuvas e fome. No último final de semana uma comunidade teve que cancelar batismos de crianças por faltas de condições, noutra fiz 26 batizados sem clima de festa, pois não havia alimentos. No término da missa todos voltaram as suas casas. O normal era ficarem na comunidade para preparar o almoço. Escutei de muitas lideranças que neste tempo o povo alimenta-se somente de folhas de mandioca, esperando a colheita do milho que produz uma vez ao ano. Como carril (carne ou molho) encontra-se rãs, gafanhotos ou outros insetos. Ouvi também que uma mãe desesperada se matou por ver que acabara o alimento para seus filhos.
Como falar de morte, cruz, sofrimento, perdas, dor…sem perder a esperança na vida? Na páscoa de Jesus encontramos a resposta definitiva para este binômio morte e vida. Ele nos garantiu que a morte não tem a última palavra. Aqui predomina no povo cristão a motivação de continuar caminhando e lutando para que haja vida para todos. Alguns aqui me dizem que depois da dor da paixão vem a alegria da ressurreição. Esta dinâmica pascal realmente está misturada paradoxalmente na vida do povo Mackua. A luz do círio acesa em cada vigília pascal rompe definitivamente as forças da morte e da tristeza. Agem e vivem como vitoriosos, mesmo mergulhados na dor de crucificados pelo contexto social de pobreza absoluta.
Uma imagem do cotidiano, do norte de Moçambique, que expressa esta realidade de esperança escondida nas situações de morte, é o capim seco e queimado que guarda silenciosamente, durante meses, a vida que se manifesta depois das primeiras chuvas do mês de dezembro.
Neste quinto domingo da quaresma o evangelho nos recordou as palavras de Jesus: “Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto”(Jo12,24). Quem não apreendeu morrer passa sua vida girando em torno de si mesmo; ilude-se que a felicidade mora ao redor do seu umbigo. Nesta lógica pascal a sabedoria de viver bem se esconde na sabedoria de saber morrer.
Também tenho refletido sobre esta experiência pascal de Jesus acontecendo em minha caminhada de padre missionário “fidei donum”. Quando retomo meu projeto pessoal de vida tenho descoberto que sou convidado pelo mestre a renunciar planos pessoais em vista de um projeto maior. Este processo de morte e perdas se transformam em vida nova na perspectiva do seguimento de Jesus. O caminho do discípulo é na verdade o caminho da semelhança com mestre e Ele nos ensinou que não veio fazer a sua vontade, mas a vontade Daquele que o enviou. Esta é a medida do amor.
Uma boa notícia deste tempo pascal é que não estou mais sozinho em Moma. Voltou para arquidiocese de Nampula o Pe.Luiz Cardalga, padre diocesano da Espanha que atuou mais trinta anos na missão do Brasil. Tem 73 anos e já foi missionário aqui em Moçambique. Também estamos felizes com a chegada do leigo Antônio Daniel da cidade de Esteio, arquidiocese de Porto Alegre. Irá morar conosco em Moma e atuará na pastoral das duas paróquias que atendemos. Continuamos na certeza que o Espírito irá suscitar mais vocações missionárias do Rio Grande do Sul.
A todos e a todas saudações e desejo de que a Páscoa de Jesus, morto e ressuscitado, aconteça em nossas vidas e comunidades.