Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)
Terminado o tempo que pode ser chamado das Teofanias – Manifestações de Deus –, quando recordamos a Visita dos Sábios do Oriente a Belém, o Batismo do Senhor no Rio Jordão e as Bodas de Caná, a Igreja abre os nossos olhos para o chamado de Deus, realidade presente na vida de todos nós cristãos, seja qual for a idade ou estado de vida. São mensagens que nos envolvem com pessoas concretas, chamem-se elas Samuel (1 Sm 3,3-10.19) João, André ou Simão Pedro, mas nosso nome pode ser incluído nesta lista que vai se ampliando no correr dos tempos.
O chamado de Deus pode ocorrer de várias formas. Em nosso tempo, muitas vezes encontramos jovens que se sentiram atraídos para a vida sacerdotal através da vida litúrgica e as atividades pastorais e formativas nas Paróquias. Dentro do coração, pode surgir o desejo de serviço ao Senhor, que pronuncia o nome da pessoa no silêncio profundo da oração. Outros foram “vistos” por Jesus, como ocorreu com a vocação de Mateus, o publicano (Cf. Mc 2,1-17). As experiências missionárias e o testemunho de sacerdotes, religiosos, religiosas, membros de Comunidades novas e outras atividades apostólicas praticamente arrastaram muita gente ao serviço de Deus, com prontidão para ir até os confins da terra. Nos meses de dezembro e janeiro, Dom Antônio e eu testemunhamos a floração de vocações ao Sacramento da Ordem. Na Arquidiocese, foram ordenados padres: um capuchinho, um redentorista, religiosos nascidos em Belém, e seis padres diocesanos, dois dos quais africanos que fizeram aqui toda a sua formação. Além dos padres, foram ordenados vinte e sete diáconos permanentes. Cada um deles com sua história, suas lutas, seu caráter e, mais do que tudo, a certeza da graça que os tocou! A maior parte das vocações sacerdotais e diaconais, nascida e formada aqui, em nossa Arquidiocese.
Tenho encontrado muitas pessoas que foram diretamente chamadas ao serviço de Deus, quando, a conselho de São João Paulo II, muitos Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Religiosas têm tido a coragem de olhar nos olhos de alguém e fazer explicitamente o convite ao serviço de Deus! Já vi jovens com outros propósitos da vida deixarem tudo para o serviço de Deus, de forma corajosa e decidida. Tenho a certeza de que este modo de chamar continuará sempre presente na Igreja.
Muitas pessoas experimentaram o chamado à graça do matrimônio, vocação importantíssima na vida da Igreja, ao se depararem com aquela “Maria” ou aquele “José” para construírem uma futura e abençoada família. Neste mês de janeiro, são dois recuperados na Fazenda da Esperança que tenho a alegria de testemunhar o matrimônio, por terem encontrado a esposa que lhes foi dada de presente pelo próprio Deus. Cada Matrimônio celebrado na Capela da Fazenda se transforma numa linda pastoral vocacional para este Sacramento. E lá mesmo, nos últimos dois meses, três dos nossos acolhidos decidiram consagrar sua vida para “dar de graça” o que receberam de graça, indo para outros lugares com espírito de serviço e alma de consagração. Um deles me disse estar disposto a ir a qualquer parte do mundo como consagrado a Deus!
Todo chamado vindo de Deus é uma provocação positiva à nossa liberdade! Samuel, depois de discernir a voz do Senhor, teve a coragem de dizer “Fala Senhor, que teu servo escuta!” E dali para frente “não deixava cair por terra nenhuma de suas palavras”. No Evangelho proclamado no próximo final de semana (Jo 1,35-42), André e provavelmente João, antes discípulos de João Batista, aproximam-se do Senhor, que os provoca realmente: “O que estais procurando?” Desejavam saber onde Jesus morava, ficaram com ele aquela tarde e pelo resto da vida. André foi instrumento para o chamado de seu irmão Simão, que ganhou até um nome novo, Cefas – Pedra! Deixaram tudo, redes, família, segurança, ganhames de publicano, como Mateus! Deram um passo, ofereceram sua resposta, na oblação que agrada mais a Deus, a da própria liberdade. E isso vale também para outras vocações, como aquela do matrimônio, quando o homem e a mulher deixam a própria família, arriscando-se num futuro a ser construído a dois, na fidelidade recíproca, na fecundidade a eles prometida pela graça. Mas se arriscam, sim, deixando tudo! Maravilha das maravilhas a graça da vocação.
A resposta traz consigo um outro passo, a missão. Para os cristãos, família é família em missão, com responsabilidades na Igreja, na Comunidade, na Paróquia e na Sociedade. Nenhuma das vocações elencadas existe para as pessoas apenas se espelharem, orgulhosas e vaidosas das próprias conquistas. Ninguém gera filhos como propriedade a ser ciosamente guardada, mas os faz para a Igreja e para o mundo, pois um dia estes filhos sairão do regaço dos pais para formarem provavelmente outras famílias. Hoje já existem, também em nossa Arquidiocese, famílias missionárias, nas quais também os filhos partem para lugares distantes junto com os pais para evangelizar! Beleza indescritível da vida da Igreja!
E os que se consagram na vida religiosa, missionária ou sacerdotal sabem que o que receberam de graça haverá de ser oferecido aos outros, onde quer que Deus os envie, através do ministério da Igreja, indo até os confins da terra, pobres, castos e obedientes!
O que sustenta as vocações? A graça de Deus. Para acolhê-la, faz-se necessário que todos os cristãos, homens e mulheres, tenham como ponto de referência o Senhor, o que se expressa na escuta da Palavra, na vida consistente de Oração, na prática Sacramental e na vivência em Comunidade, além de uma boa e segura direção espiritual. Para identificar, dar a resposta aos apelos de Deus e ser fiéis, é necessário olhar para o alto e para frente, lançando no mar da misericórdia de Deus todas as suas fraquezas e receios, com a disposição para fazer o bem do jeito que Deus mostrar, onde quer que seja, com a gloriosa liberdade dos filhos de Deus!