Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
No embate quotidiano testemunhamos a volta ao palco de questões que estavam adormecidas há tanto tempo que nem nos recordávamos mais delas. A planura da terra, o medo de vacinas, o comunismo, a suposta ordem mundial, fruto de um cérebro enorme que está articulando um futuro alternativo…
Ideologias não são necessariamente ruins. Afinal todos temos ideias sobre as quais radicamos as nossas construções de mundo e de realidade. Entretanto, as nossas ideologias precisam ser curvadas diante de outras construções, essa é a maior vantagem de se viver em sociedade.
Um exemplo prático de ideias que se transmutam para o bem e para o mal encontra-se em nosso passado recente no enfrentamento da pandemia do COVID a respeito do uso das máscaras.
De início, a ciência, também atordoada, recomendou-nos a não usar máscaras, principalmente, pelo perigo de falta deste artefato para os profissionais da saúde, que tanto precisavam. Ajustada a compreensão e a descoberta dos efeitos benignos e lógicos no uso da máscara, advindo graças ao melhor entendimento do comportamento do vírus, a ciência se recompôs e passou a aconselhar o seu uso ininterrupto.
A ciência é assim, como dizia Popper, não tem certezas, tem verdades! A sua verdade é aquela que se impõe pelos fatos e resultados, por isso não tem dificuldade de mudar e de se desmentir, quando necessário.
A ideologia não! Ela se instaura num ambiente estreito de caráter fundamentalista. Ela não se importar de mudar os argumentos, desde que não tenha de dar um passo atrás para mudar a si mesma.
A ideologia não tem origem nos fatos, mas na construção profunda do ego que não consegue mudar a si mesmo. Assim, os argumentos contra o uso de máscaras prosperam no meio desta gente. Primeiro por não ter eficácia, segundo porque causa outras doenças, terceiro porque ataca a liberdade e o direito sagrado de respirar sem mediação do tecido. Esses argumentos jamais cessam. Observe-se que, dos argumentos anteriores, o efeito danoso do uso das máscaras para a saúde, falsamente imputado, e o efeito colateral da Cloroquina, esse sim comprovado, não surtem o mesmo efeito para a ideologia.
Vimos nos últimos tempos um agigantar-se das ideologias que se espalham pelo mundo. A velha crítica à ciência parece ter descido a um patamar mais baixo. Um patamar de confronto e de vingança dos derrotados. Sob a ideologia não é necessário saber muitas coisas, basta não se deixar demover de uma ideia com todo tipo de argumento e mentira, até que a coisa aconteça.
Ai que mora o grande perigo. A terra não ficará plana porque muitos esperam, nem o comunismo é o grande perigo, por mais que alguns assim pensem. Apegar-se a ideologia é semelhante ao que o Papa Francisco chamou de cruzados de causas perdidas, porque os argumentos não desfazem os fatos.
A ciência, portanto, não é o único argumento sobre a verdade, mas como todo conhecimento bem intencionado se distingui das ideologias porque está sempre pronta a rever os seus conceitos e ajustar os pontos de vista.
