“Admoestamos os fiéis para que se abstenham do desumano tráfico dos negros ou de quaisquer outros homens que sejam”(Papa Gregório XVI, 1839). Sorocaba celebrou, no dia 20 próximo passado, o dia da Consciência Negra. A propósito levo até o leitor os nomes de duas figuras de grande expressão da Igreja em Minas que deram significativa contribuição para a causa dos negros. São eles: Dom Antônio Ferreira Viçoso, sétimo Bispo de Mariana ( 1844 – 1875) e Dom Silvério Gomes Pimenta, seu primeiro Arcebispo (1897 – 1922).

Dom Viçoso, de origem portuguesa, foi um missionário especialmente dedicado aos pobres, sobretudo aos negros. Dom Silvério, de ascendência africana, teve em Dom Viçoso o amigo e padrinho que guiou seus passos desde a infância patrocinando sua entrada no seminário e acompanhando os inícios de sua vida sacerdotal. Recente publicação da Arquidiocese de Mariana, comemorativa dos seus cem anos, assim se refere à atuação do Pe. Viçoso: “o então padre Viçoso dedicou-se com zelo missionário à questão da escravatura. Nunca se conformou com a crueldade com que eram tratados os homens, as mulheres e as crianças negras que, ao serem arrancados de suas terras, deixavam para trás suas esperanças para serem atirados às deprimentes senzalas e forçados a uma rotina de trabalho árduo, quase sempre sob condições desumanas. Em todas as suas andanças por Minas, fez questão de tratar os negros como seres humanos e filhos de Deus, conduta ainda rara na época e que fazia dele um verdadeiro santo aos olhos da população negra.”

Sua eleição para bispo de Mariana foi recebida por ele com profunda humildade e sua posse foi apoteótica tal o seu prestígio no meio do povo a quem servia como missionário. No dia seguinte à sua posse, uma multidão de negros foi até ele levando flores. Ele se juntou a eles, distribuiu pequenas estampas de Nossa Senhora e os abençoou. São deles as palavras: “libertai esses pobres negros. Eles são homens como nós. Têm a alma imortal, às vezes mais pura e santa que a de seus amos e senhores. Crime horroroso e vil! Na opressão da raça negra está o triste resumo de toda a miséria e degradação nacional”. Certa vez procurou-o um advogado que queria ser padre. Dom Viçoso perguntou-lhe se ele tinha escravos.

Diante de resposta positiva, DomViçoso, percebendo que ele não se dispunha a libertá-los, negou-se a aceitá-lo como candidato ao sacerdócio. A mentalidade escravista era, para Dom Viçoso, empecilho para a ordenação. Contrariando a mentalidade e a vontade do império, ordenou dois negros Sua defesa dos negros, por disposição da divina providência, frutificou na vocação do Pe. Francisco de Paulo Vitor – em processo de beatificação – e de Pe. Silvério. Este, filho de uma humilde família de ascendência africana, com seus quatro irmãos, passou por especiais dificuldades, sobretudo depois do falecimento de seu pai. Um tio consegue que ele vá estudar no colégio dos padres lazaristas em sua terra natal, Gongonhas. Arrimo de família, aos doze anos foi trabalhar em uma casa de comércio. Estudava à noite, à luz de lamparina. O colégio onde estudava fechou. Silvério interrompe seus estudos e emprega-se me uma sapataria. Recorre então a seu padrinho, Dom Viçoso, que o leva para o seminário de Mariana, pois o desejo de ser padre e sua vida de piedade o recomendavam como um vocacionado de grande valor. Dotado de privilegiada inteligência dedicou-se aos estudos e à vida espiritual causando admiração em seus colegas e formadores. Por ser pobre, trabalhou como porteiro do seminário durante os sete anos que precederam sua ordenação. Feito sacerdote foi um dedicado colaborador de Dom Viçoso e, depois, de Dom Benevides de quem foi Vigário Geral e Bispo Auxiliar.

A Diocese de Mariana era todo o Estado de Minas. Dom Silvério dedicou-se incansavelmente ao pastoreio, através das visitas pastorais. O veículo era o lombo do animal. Mas sua atuação não se restringiu à Arquidiocese de Mariana. Participou de uma Conferência Episcopal em São Paulo, no início de século XX, “tendo sido encarregado de redigir seu famoso ‘Catecismo’, obra completa e profunda, publicada em 1903 e adotada por mais de cinqüenta anos em dioceses do Brasil” e também em outros países. Homem de rara cultura, Dom Silvério promoveu em Minas a vida espiritual do povo e cuidou de criar colégios para educação da juventude. Desfrutava de grande prestígio em Roma que ele visitou por mais de uma vez. De Leão XII ele ganhou uma foto com os dizeres: “Ao nosso venerável irmão Silvério Gomes Pimenta, bispo de Mariana, cujos serviços grandiosamente prestados à Diocese nos são conhecidos, como penhor de nossa benevolência, do íntimo da alma lhe concedo a bênção apostólica”. Dom Silvério morreu 1922 com fama de santidade. A todos os negros de nosso país nosso respeito, admiração e gratidão.

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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