Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro

A quaresma deste ano de 2020 nos pede seguir por caminhos de penitência que não esperávamos, mas que com fé e confiança queremos trilhá-lo. Permanecemos unidos em oração por este momento de calamidade que estamos vivenciando, fazendo cada vez mais vivos os objetivos da campanha da fraternidade, que nos chamam a um especial compromisso com a vida, inspirados na passagem do bom samaritano que, ao ver o homem caído e ferido à beira do caminho, Viu, sentiu compaixão e cuidou dele (Lc 10, 33-34).

Com este domingo, fechamos as três grandes “catequeses batismais” do Evangelho de João, que conduzem a liturgia da Quaresma. São: a história da Samaritana (Jo 4), a do cego de nascença (Jo 9) e a de Lázaro (Jo 11). Neste final de semana, o assunto é a história de Lázaro (João 11), que anuncia a vida nova do cristão, e a ressurreição trazida por Cristo, ele que é a ressurreição e a vida.

Na primeira leitura, a profecia de Ezequiel (Ez 37,12-14) nos anuncia a promessa de ressurreição: a primeira delas em todo o Antigo Testamento. A promessa de abrir as vossas sepulturas ilumina a realidade física que será relatada no milagre narrado no Evangelho e traz também uma dimensão espiritual que será realizada ao longo da vida cristã, seja pelo sacramento do batismo, seja pelo sacramento da reconciliação ou também pela realidade da conversão, onde a ressurreição da alma acontece. Vale a pena citar a referência que o Catecismo (n. 715) faz a esta passagem, falando da renovação dos corações pela ação do Espírito: Segundo estas promessas, nos ‘últimos tempos’ o Espírito do Senhor há de renovar o coração dos homens, gravando neles uma lei nova; reunirá e reconciliará os povos dispersos e divididos; transformará a primeira criação e Deus habitará nela com os homens, na paz.

 Como resposta a esta proclamação da primeira leitura, o salmo vem apresentar como oração um grito de esperança e confiança: No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua Palavra. A iniciativa na ordem da Graça é sempre de Deus. Mesmo contando com a colaboração humana, que consiste em esperar e confiar, a iniciativa da salvação e do dom da fé é sempre de Deus. Por isso o salmista coloca sua confiança na ação de Deus. Vale relembrar aqui uma importante oração da tradição da Igreja que assim diz: “Inspirai as nossas ações, Senhor, e as acompanhai com vossa ajuda, para que cada uma de nossas palavras e atos tenha em Vós seu início e em Vós o seu cumprimento”.

Já a segunda leitura, a Carta aos Romanos (Rm 8,8-11), anuncia a vida segundo o Espírito, referindo-se à vida nova de conversão de todo cristão. Este Espírito é quem há de trazer a vida da alma para todos aqueles que o pedirem com fé. São João Crisóstomo, ao comentar esta passagem da Carta aos Romanos, assim diz: «É necessário nos submetermos ao Espírito, nos rendermos de coração e nos esforçarmos para manter a carne em seu devido lugar. Dessa maneira, nossa carne se tornará espiritual. Pelo contrário, se nos rendermos à vida confortável, isso traria nossa alma ao nível da carne e a tornaria carnal. Com o Espírito, se pertence a Cristo, a alma é possuída por Cristo. Com o Espírito a carne é crucificada e experimentamos o sabor de uma vida imortal”. (Commentarii in Romanos 13).

O Evangelho (Jo 11, 1-45) narra o episódio da Ressurreição de Lázaro. Este importante relato mostra a realização de um dos milagres mais importantes realizado por Jesus, onde vem mostrar o poder que Jesus tem sobre a morte, dando prova de sua divindade, confirmando a fé dos seus discípulos e manifestando-se como Ressurreição e Vida.

Aqui encontraremos uma das definições mais importantes que Cristo deu de si mesmo, ao apresentar-se como Ressurreição e Vida. Cristo é a Ressurreição porque sua vitória é a causa de da ressurreição dos homens. Cristo abre para nós as portas da eternidade. O milagre que será realizado na vida do amigo Lázaro é sinal deste poder vivificador de Cristo. Ao mostra-se como Vida, Cristo não se refere somente à vida futura, mas também à vida da Graça, a vida no Espírito.

O prefácio da Celebração Eucarística de hoje já aponta para o tema central tratado pelo Evangelho: O Senhor Jesus Cristo, Verdadeiro Homem, chorou o amigo Lázaro. Deus vivo e eterno, Ele o ressuscitou tirando-o do túmulo. Compadecendo-se da humanidade que jaz na morte do pecado, por seus santos mistérios Ele nos eleva ao Reino da vida nova. Somos chamados a ressuscitar com Cristo. Cremos na vida eterna e na ressurreição da carne. Mas enquanto não chega o nosso momento, somos chamados a viver uma vida de homens e mulheres novos no dia a dia de nossas vidas.

O Senhor vem ao nosso encontro no meio dos desesperos da nossa vida. O pecado, que nos leva à morte e à separação de Deus, é vencido por Aquele que é a verdadeira vida.

Essa certeza deve nos animar cada vez mais em nossa vida, a certeza de que a última palavra sempre é dada pelo poder e pela ação de Deus que pode todas as coisas. Confiemos no poder de Deus.

Anunciemos, principalmente através do cuidado com o outro esta realidade que o Senhor nos traz. Ser batizado é estar com Cristo e viver uma nova vida. Estando às vésperas da semana santa, saibamos caminhar e viver com alegria, generosidade e disponibilidade esse tempo favorável e esse tempo de luta que estamos enfrentando.

 

 

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