Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo (SP)

Perseguições sempre fizeram parte da vida da Igreja de Cristo e dos cristãos desde as origens do cristianismo. O próprio Jesus, perseguido, preso, torturado e condenado a morte injusta, advertiu a seus discípulos que também eles seriam perseguidos: “Se perseguiram a mim, também perseguirão a vós”. Dos 12 apóstolos que iniciaram a difusão do Evangelho, apenas São João escapou do martírio.

Na atualidade, nenhum grupo religioso é tão perseguido como os cristãos, católicos e não católicos. São frequentes as notícias de atentados, com mortos e feridos, perpetrados contra pessoas, igrejas e instituições cristãs, por vezes até durante celebrações religiosas. O número de mártires do século 20 e do início do século 21 é maior que o de qualquer século precedente, até mesmo dos primeiros séculos do cristianismo, quando houve perseguições promovidas sistematicamente contra os cristãos por vários imperadores romanos.

No domingo passado, 6 de agosto, houve um massacre numa igreja em Uzubu, na Nigéria, com 11 mortos e 18 feridos. Embora a motivação do ataque não tenha ficado logo evidente, é certo que as vítimas foram cristãos católicos reunidos numa igreja para a missa dominical. O presidente da Nigéria, Muhammadu Uhari, condenou o ataque, qualificando-o de “indizível sacrilégio”.

O grupo islâmico intolerante Boko Haram tem feito frequentes vítimas entre os cristãos, com muitos mortos e feridos, e também vem aterrorizando cristãos no vizinho Camarões. Na República Centro-Africana, há poucos dias um grupo terrorista invadiu um hospital da Cruz Vermelha e degolou, por vingança, cerca de 50 pessoas, em grande parte cristãs. Em 9 de agosto o papa lamentou e condenou essa violência e apelou para que semelhantes atos não se repitam.

No Egito, as vítimas da perseguição e do martírio são os cristãos coptas, que constituem cerca de 10% da população do país. No dia 26 de maio passado, um ônibus que transportava cristãos coptas para o Mosteiro de São Samuel, na região central do Egito, foi invadido por terroristas armados, que mataram 29 pessoas, inclusive crianças, e feriram outras 22. Pouco tempo antes, no Domingo de Ramos, duas igrejas coptas haviam sofrido ataques de jihadistas. Que encheram as igrejas com o sangue de 45 mortos e muitos feridos.

Continua emblemática a imagem difundida pela mídia de uma dezena de cristãos coptas ajoelhados numa praia da Líbia, mãos amarradas às costas e vestidos de amarelo, prontos para serem degolados por um militante do “Estado Islâmico”. E não se podem esquecer os ataques e martírios sofridos pelos cristãos na Somália, no Iêmen, no Quênia, no Paquistão, na Índia e em outros países da África e da Ásia. Geralmente, nesses casos as comunidades cristãs são minorias que sofrem forte discriminação no meio de outros grupos religiosos, majoritários.

Até no Nepal, pacífico e acolhedor, um grupo de desconhecidos atacou a catedral católica da capital, Katmandu, dia 18 de abril passado. A pequena comunidade cristã local não passa de 1% da população do país, de imensa maioria hinduísta e budista. Desde 2009 templos católicos vêm sofrendo ataques, com mortos e feridos, e os cristãos estão apreensivos quanto ao seu futuro no Nepal, que permitiu construir a primeira igreja católica apenas em 1991, depois da promulgação de nova Constituição, que permitiu a liberdade religiosa, mas manteve a restrição à difusão da fé cristã e à conversão de cidadãos ao cristianismo.

Quantas atrocidades sofridas pelos cristãos no Iraque e em partes da Síria pela ação do “Estado Islâmico”! Prisões e tortura, escravidão, espoliação dos bens materiais, exploração sexual, expulsão das casas e das cidades, profanação e destruição de igrejas, decapitações, humilhações sem fim…

Na China, a liberdade religiosa está longe de ser uma realidade. Além das expressas restrições a esse direito humano, também continuam as prisões e a repressão contra lideranças católicas.

Toda forma de perseguição religiosa é contrária aos direitos humanos e fere a dignidade da pessoa, pois a atinge no que há de mais sagrado e dignificante: sua liberdade de consciência e a fé religiosa. Os cristãos sabem que sua fé e suas convicções religiosas podem acarretar discriminação, repressão, perseguição e até martírio. Mesmo assim, essas práticas são altamente injustas e causam imenso sofrimento, que lhes deveria ser poupado, pois são cidadãos como os demais e os Estados deveriam protegê-los, assegurando-lhes os direitos básicos e o respeito à sua dignidade e integridade.

Neste último 6 de agosto, a organização Ajuda à Igreja que Sofre promoveu o Dia Internacional de Oração pelos Cristãos Perseguidos em todo o mundo. A entidade teve início na Alemanha após a 2.ª Guerra Mundial, com a finalidade de promover ajuda e socorro à Igreja perseguida pelos regimes totalitários da época. Mais recentemente, foi reconhecida pela Santa Sé como Fundação Pontifícia e está presente em vários países, entre eles o Brasil.

Sua missão consiste em acompanhar as várias formas de repressão da liberdade religiosa, a discriminação e a perseguição sofridas pelos cristãos. Além disso, a entidade promove a informação sobre esses fatos. Graças aos seus relatórios anuais sobre o desrespeito à liberdade religiosa no mundo, muitas atrocidades chegam à opinião pública.

Com as doações recolhidas pela fundação muitos cristãos perseguidos recebem ajuda. Um grupo significativo de cristãos iraquianos foi ajudado a retornar à planície de Nínive, de onde eles haviam sido enxotados pelo “Estado Islâmico”. Foi necessário ajudá-los a reconstruir suas casas, escolas, igrejas e conventos. Tudo havia sido destruído.

Graças a uma enorme ação solidária, promovida pela fundação, a vida e a esperança renascem.

 

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