Foi no retiro pregado por Dom Salvador que ouvi pela primeira vez a palavra “cristianista”. A expressão é de Remi Brague, filósofo e historiador francês, que procurou distinguir o cristão do “cristianista”. Foi em Antioquia da Síria que, pela primeira vez, os seguidores de Jesus, foram chamados de crsitãos (At 11,26).  Dentre eles se destacava Barnabé e o néo-convertido Paulo. O discípulo se caracterizava pela experiência de estar com Cristo e fazer o caminho. Jesus mesmo era o Caminho.

azer o caminho e ser discípulo era a mesma coisa. Fazer o caminho significava uma vida nova assim descrita em duas passagens dos Atos: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna , na fração do pão e nas orações…” “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e possuíam tudo em comum…”( Cf At 2,42-48); “a multidão dos fieis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum…” E ficou como atitude modelar de discípulo  o desprendimento de Barnabé: “Ele possuía um campo, vendeu-o e depositou o dinheiro aos pés dos apóstolos”( Cf. At 4,12-37). Ser discípulo começa com um encontro pessoal com Cristo, graça concedida livremente àquele que de certa forma já o buscava, como nos lembra o documento de Aparecida: “Aqueles que serão seus discípulos já o buscam” (Cf Jo 1,38). Esse encontro se aprofunda no discipulado. “A pessoa amadurece constantemente no conhecimento, amor e seguimento de Jesus Mestre”( Ap 278 a) e c)).

São Paulo foi longe nesse viver com Cristo: “vivo, já não eu, mas é Cristo que vive em mim”( Gal 2,20).  O discípulo de Cristo não é, pois, como o discípulo de Platão, Aristóteles ou Marx. A experiência é de que Cristo vive, é experiência de comunhão com Ele no hoje do tempo. Quando alguém afirma sua fidelidade ao cristianismo, mas não vive a experiência mística de encontro com Cristo na oração, na Eucaristia e na experiência comunitária, ele não é propriamente cristão, é um “cristianista”. Adota a doutrina, os princípios do cristianismo, até os defende, mas não vive a experiência fundamental de estar com Cristo. A autenticidade da experiência de viver com Cristo e de Cristo se revela no seguimento. Este se dá na história. Ter tudo em comum hoje é empenhar-se pela realização da comunidade. Em primeiro lugar está o reino de Deus.

O resto vem por acréscimo. Dois inimigos rondam permanentemente o discípulo de Cristo: a riqueza e o poder. Faz alguns dias, falando na Catedral para jovens crismandos, comentando o evangelho de João: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, eu insistia que o amor verdadeiro leva a partilha. A oração que Jesus ensinou manda pedir: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Só pode rezá-la com sinceridade quem pensa nos outros. E eu tentava fazer ver aos jovens como a luta pela posse dos bens materiais faz os seres humanos semelhantes a cães famintos que disputam ferozmente a lavagem do coxo onde seu dono coloca as sobras da comida de sua fazenda. Quem não sabe abrir mão do que possui para que o outro possa desfrutar daquilo que Deus destinou a todos, está longe de ser cristão, DISCÍPULO.

Quando há desprendimento e partilha, os problemas, também os financeiros, se resolvem com facilidade.  Até as empresas do capitalismo moderno entenderam isso. O outro inimigo é o poder, ou melhor, seu desejo, como forma de auto-afirmação. Jesus se defrontou com esse inimigo no coração do grupo dos doze.  Certa vez, quando discutiam, momento antes de começar a paixão dolorosa, quem deles seria o maior no reino que estava para chegar, Jesus os advertiu: “Os reis das nações dominam sobre elas, e os que exercem o poder se fazem chamar benfeitores. Entre vós não deve ser assim. Pelo contrário, o maior dentre vós seja como o mais novo. E o que manda, como quem está servindo… Eu estou no meio de vós como aquele que serve.”( Lc 22,24-27). Estes dois inimigos são mortais para a família e para todas as instituições, também para as comunidades cristãs que se esquecem de voltar sempre a Jesus.

Não há instituição, por mais que se declare de inspiração cristã, que sobreviva como tal sem uma autêntica comunidade de discípulos. Estes só serão sal e luz se conservarem a capacidade de salgar e tiverem acesas e sobre candelabros sua luz. Somos apenas “cristianistas”, quando somos por condição cultural adeptos da doutrina e praticantes das regras de vida cristãs, mas não experimentamos o Cristo vivo e somos incapazes de ver o outro com seus olhos. O papa Bento XVI lembrou aos bispos em Aparecida: “A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”. Recomecemos, pois!

Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues

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