Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira
Bispo da Prelazia de Itacoatiara – AM
Celebramos a Sexta Feira da Semana Santa, a celebração da Paixão e Morte de Cristo na Cruz. Muitas pessoas ao meditarem sobre a Paixão e Morte de Cristo, especialmente quando celebram a Via Sacra e quando vivem as atividades litúrgicas da Semana Santa, choram por verem o sofrimento de Cristo. Sempre que leio ou ouço alguém escrever ou falar isto, vem-me à memória as palavras de Jesus às mulheres de Jerusalém: “Mulheres de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos!” (Lc 23, 28).
Na minha reflexão na celebração da Paixão do Senhor, às portas fechadas, na Catedral Nossa Senhora do Rosário, Prelazia de Itacoatiara, busquei ajudar as pessoas que nos acompanhavam pela transmissão de uma emissora de rádio e pelas redes sociais, que deveríamos contemplar Cristo crucificado ontem e hoje.
Cristo crucificado ontem, é o Cristo histórico, filho de Deus encarnado, filho de Maria, que veio ao mundo para nos libertar do pecado e de suas consequências. Aquele que “por toda a parte, andou fazendo o bem” (At 10, 38); aquele que nos deu “um novo mandamento: amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34); aquele que foi injustamente condenado à morte por Pilatos: “Então Pilatos soltou Barrabás, mandou açoitar Jesus e entregou-o para ser crucificado” (Mt 27, 26).
Cristo crucificado hoje, é o Cristo presente em cada pessoa sofredora. Ele mesmo aponta esta sua identificação com os sofredores na parábola do julgamento final, quando diz ser feito ou não ser feito a Ele, tudo que fizermos ou deixarmos de fazer ao que tem fone, sede, está nu, preso e doente, é estrangeiro (cf. Mt 25, 31-46).
Vejamos a seguir uma lista de pessoas nas quais devemos ver Jesus Cristo sendo crucificado hoje, no fim da segunda década do século XXI.
Nos Povos Indígenas, Ribeirinhos, Pescadores artesanais e Quilombolas ameaçados em suas Terras, Águas e Territórios;
Nas lideranças criminalizadas e ameaçadas por causa de seu trabalho na comunidade na defesa da terra, das águas e dos territórios;
Nas pessoas contaminadas pelo coronavírus;
Nas pessoas vítimas do Tráfico Humano: Crianças (tráfico de órgãos), Jovens e Mulheres (tráfico para a exploração sexual), trabalhadores e trabalhadoras (tráfico para o trabalho escravo);
Nas vítimas da violência doméstica;
Nas famílias que possuem dependentes do álcool e das drogas;
Nos idosos esquecidos pelos seus familiares;
Nos desempregados e nos trabalhadores vítimas de salários injustos;
Nas pessoas que sofrem preconceito por causa da cor da pele, do gênero, da região onde nasceu ou vive e da sua condição social;
No menor abandonado;
Nos famintos e sem casa;
Nas pessoas que sofrem por causa dos desvios de dinheiro público (pela corrupção);
Nos migrantes;
Nas pessoas em situação de rua;
Nas vítimas da violência no trânsito.
O Documento de Aparecida já nos ajudou a ver Cristo no povo sofredor. Vejamos o que diz o número 32: “No rosto de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, maltratado por nossos pecados e glorificado pelo Pai, nesse rosto doente e glorioso, com o olhar da fé podemos ver o rosto humilhado de tantos homens e mulheres de nossos povos e, ao mesmo tempo, sua vocação à liberdade dos filhos de Deus, à plena realização de sua dignidade pessoal e à fraternidade entre todos. A Igreja está a serviço de todos os seres humanos, filhos e filhas de Deus” (grifo nosso).
Neste contexto de ver Cristo crucificado ontem e hoje, vale a pena reler o nº 65 do Documento de Aparecida: “Isso nos deveria levar a contemplar os rostos daqueles que sofrem. Entre eles, estão as comunidades indígenas e afro-americanas que, em muitas ocasiões, não são tratadas com dignidade e igualdade de condições; muitas mulheres são excluídas, em razão de seu sexo, raça ou situação sócio econômica; jovens que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus estudos nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver e constituir uma família; muitos pobres, desempregados, migrantes, deslocados, agricultores sem-terra, aqueles que procuram sobreviver na economia informal; meninos e meninas submetidos à prostituição infantil, ligada muitas vezes ao turismo sexual; também as crianças vítimas do aborto. Milhões de pessoas e famílias vivem na miséria e inclusive passam fome. Preocupam-nos também os dependentes das drogas, as pessoas com limitações físicas, os portadores e vítimas de enfermidades graves como a malária, a tuberculose e HIV–AIDS, que sofrem a solidão e se veem excluídos da convivência familiar e social. Não esquecemos, também, os sequestrados e os que são vítimas da violência, do terrorismo, de conflitos armados e da insegurança na cidade. Também os anciãos que, além de se sentirem excluídos do sistema produtivo, veem-se muitas vezes recusados por sua família como pessoas incômodas e inúteis. Sentimos as dores, enfim, da situação desumana em que vive a grande maioria dos presos, que também necessitam de nossa presença solidária e de nossa ajuda fraterna. Uma globalização sem solidariedade afeta negativamente os setores mais pobres. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e opressão, mas de algo novo: a exclusão social. Com ela a pertença à sociedade na qual se vive fica afetada na raiz, pois já não está abaixo, na periferia ou sem poder, mas está fora. Os excluídos não são somente ‘explorados’, mas ‘supérfluos’ e ‘descartáveis’.”
O Papa Francisco falando aos participantes do Encontro do Secretariado de Justiça Social e Ecologia, da Companhia de Jesus, em novembro de 2019, disse que no acompanhamento dos pobres, devemos “contemplar neles o rosto de Nosso Senhor crucificado” (https://cirios.com.br/).
Esta lista onde podemos ver o rosto de Cristo Crucificado hoje, pode ser ampliada, a partir da realidade de cada pessoa que ler este artigo.