Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares (PE)
A comunidade cristã celebra, liturgicamente, o Mistério de Cristo, nessa semana maior da fé católica – a Semana Santa que tem uma especial significação para a alimentação da vida espiritual e para o despertar do testemunho religioso dos cristãos. Entende-se logo que é necessário compreender esse Mistério a fim de melhor vivê-lo, à luz da fé. Isso acontece, precisamente, na Liturgia, quando os fiéis acolhem a Palavra de Deus e participam das celebrações na comunidade. “Pode-se dizer também que Liturgia é Memorial, é um memorial que comemora alguém do passado para tornar presente um acontecimento fundamental.
Esse acontecimento realizou-se uma vez por todas, mas continua hoje. {…} Esse memorial acontece em dois momentos: na palavra com o rito da palavra e na fração do pão com o rito eucarístico, desta forma pode-se dizer que o rito existe em vista da memória.” O mistério do Emanuel, “Deus conosco”, anunciado pelo Profeta Isaías (cf. Is 7,14) cujo nome é Jesus, o Filho do Altíssimo, como disse o Anjo Gabriel a Maria (cf. Lc 1,11-12), é celebrado na Semana Santa, tornando “presente um acontecimento fundamental” – o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Com sua humanização, ele experimentou a contingência das limitações, fraquezas e sofrimentos, por isso, seria perseguido, morto e sepultado, diferenciando-se, porém, dos demais mortais porque assegurou que ressuscitaria: “Quando estava reunido com os discípulos na Galileia, Jesus lhes disse: ‘O Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos homens, e eles o matarão, mas no terceiro dia ressuscitará’. E os discípulos ficaram extremamente tristes.” (Mt 17,22-23)
De conformidade com o calendário litúrgico, a Igreja vive, no momento, o ciclo da Páscoa que compreende o período da Quaresma, tempo de conversão, e o tempo da Páscoa, tendo como epicentro sagrado o Tríduo Pascal que se se estende até a Festa de Pentecostes. Na celebração de cada Semana Santa, o povo de Deus vê sua identificação com Jesus, o “Servo sofredor”, o “homem das dores” (cf. Is 53,3-7), como ensina a Sagrada Escritura: “Entretanto, ele assumiu as nossas fraquezas, e as nossas dores ele as suportou.” (Is 53,4)
Por sua vez, São Paulo ensina: “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado, segundo as Escrituras”. (1Cor 15,3-4). De sua parte, a Igreja ensina, em sua catequese, que Jesus carrega as dores de todos os sofredores, ao longo dos tempos. Com efeito, a história nunca deixou de registrar a vida do povo sofredor e a face de homens e mulheres das dores, cujas marcas são duradouras, em muitos casos. A Semana Santa de 2022, ainda reflete os sofrimentos e as dores que remontam a 2020, em razão da pandemia da Covid-19. De forma muito sentida, os cristãos trazem também para o altar das celebrações o rosto sofredor do povo ucraniano, dolorosamente visível, como mostram as imagens que chegam aos olhos de todos, e o tem, solidariamente, em seu coração e em seus lábios orantes, como fazem muitas pessoas, famílias e nações, acolhendo-o em seu coração, em sua casa, em seu território.
A população passa por muitas adversidades, causadas pela iniquidade de pessoas poderosas e influentes que atuam nos mais diversos setores da atividade social, econômica e política, ou provocadas por fenômenos naturais que, em muitos casos, têm a impressão digital da intervenção humana destruidora. Mesmo diante dessa realidade, o povo cristão caminha nas estradas da vida com a certeza de chegar às alegrias da ressurreição que Jesus reserva para todos. Dessa maneira, a vida de Cristo continua sendo vista na vida do povo, continua sendo escrita pela vida do povo.