“Cuidado para não cair”

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo (RS)

 

            A Campanha da Fraternidade usa a metodologia de escutar a realidade, fazer o discernimento dos acontecimentos e agir para promover mudanças. Os textos bíblicos da liturgia do terceiro domingo da quaresma podem ser refletidos e rezados dentro desta metodologia educativa.

            No livro do Êxodo (3,1-15) Deus diz a Moisés que viu a aflição do povo, ouviu o seu clamor e conhece os seus sofrimentos. No evangelho (Lucas 13,1-9) Jesus está diante de dois fatos trágicos oriundos de causas diferentes. O primeiro relata a ordem de Pilatos para matar galileus no templo e misturar o sangue com os sacrifícios que ofereciam. Temos aí assassinato e sacrilégio. O segundo fato relata a morte de 18 pessoas sobre as quais caiu acidentalmente uma torre. São Paulo na 1 Carta aos Coríntios ((10, 1-12) constata que a vida cristã dos Coríntios era muito aparente e superficial. Os três relatos pedem uma escuta atenta destes fatos e um discernimento a partir da Palavra de Deus e por fim um agir ou uma conversão.

            Moisés conhecia muito bem a situação do seu povo. Tentou resolver o problema sozinho recorrendo à violência. Logo percebeu que a metodologia adotada não alcançaria os objetivos, por isso foge e se esconde no deserto. Neste contexto recebe o convite de voltar, de converter-se novamente em direção do seu povo. Agora não mais em nome próprio, mas em nome do “Deus de vossos pais que me enviou a vós”. A realidade de sofrimento somente muda com decisões eficazes e a colaboração dos sofredores.

            Jesus comenta os dois fatos trágicos que lhe são apresentados. Faz um discernimento pois havia interpretações que não condiziam com a verdade. Segundo a mentalidade da época, o povo interpretava estes acontecimentos como uma punição divina dos pecados daquelas vítimas. Transmitia-se com isso uma imagem errada de Deus, como também se culpava inocentes.

            Os fatos motivam Jesus a guiar seus ouvintes à necessidade da conversão. Não a propõe em termos moralistas, mas realistas. Perante certas desgraças as certezas humanas entram em crise. Não se pode descarregar a culpa nas vítimas. Diante da precariedade da existência humana deve-se assumir uma atitude de responsabilidade. A atitude correta, segundo Jesus, é converter-se. Ninguém está isento de ser vítima de desastres. Também não se pode gastar todo tempo em procurar culpados. Faz-se necessário rever o próprio agir e assumir a própria responsabilidade no contexto.

            A fragilidade humana também se expressa na demora para promover mudanças, mesmo aquelas que são urgentes. A parábola, ao final do Evangelho, expressa a vida infrutífera “já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro”. As mudanças exigem paciência e misericórdia, além de esforço e investimento. “Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto”.

            Muito provocativo é o alerta de São Paulo na Carta aos Coríntios. “Portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair”. A condição humana não deixa espaço para atitudes de arrogância. Achar que somente os outros erram e por isso posso emitir julgamentos é uma ilusão. Pois, posso estar muito bem hoje, ser justo e correto, mas isto não é garantia absoluta para o amanhã. Quando menos se espera também posso estar caindo. Como recomenda Paulo “cuidado para não cair”, vigilância e conversão diária.

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