“De Éfeso, a primeira carta aos Coríntios” (1)

A comunidade de Corinto estava dividida. Havia grupos que se formavam em torno de certas personalidades e uma tendência espiritualizante em certos membros da comunidade. Além disso, os coríntios tinham perguntas concretas que gostariam de esclarecer a respeito do casamento e da virgindade, das carnes sacrificadas aos ídolos, da participação na Ceia do Senhor, dos dons do Espírito, da ressurreição dos mortos. Sobre esses assuntos Paulo escreve a sua carta aos coríntios, que não foi a primeira. Antes da carta que temos na Bíblia com o nome de Primeira aos Coríntios, ele escreveu uma que se perdeu. Há uma referência a essa carta em 1Co 5,9. É chamada de Carta pré-canônica.

Os coríntios se dividiram em torno de personalidades e formaram partidos antagônicos. Paulo foi o fundador da comunidade e contava com gente fiel a ele, que permaneceu a seu lado. O brilhante Apolo também missionou em Corinto e sua personalidade atraiu adeptos que diziam “Eu sou de Apolo”. Apolo mesmo não fomentou nenhuma divisão nem se opôs a Paulo com quem se dava muito bem. Mas Apolo era um homem de muitas qualidades intelectuais, tinha boa formação filosófica e espiritual e sabia falar. Era um bom orador e demonstrava possuir sabedoria. Seus partidários se julgavam em certo sentido superiores aos demais membros da comunidade exatamente por causa do alto nível de conhecimento de Apolo. Os “espirituais” de Corinto beberam no ensinamento de Apolo as teorias de Filão de Alexandria, um filosofo judeu de sólido fundamento espiritual. Em Corinto havia também os que gostam de estar perto do chefe e se valorizam pela proximidade da autoridade. Eram do grupo de Cefas, ou Pedro, o primeiro dos Apóstolos.

Paulo exorta os coríntios a guardarem a concórdia uns com os outros e a permanecerem estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar. Afinal de contas, quem foi que morreu na cruz por nós? Nós fomos batizados em nome de quem? Na Igreja, todos nos encontramos no único e mesmo Senhor Jesus Cristo. Não temos mestres e pais a não ser o Senhor Jesus! Se dissermos “Sou deste grupo” ou “sou daquele”, sou deste fundador ou daquele outro, estaremos nos comportando de forma meramente humana. Paulo, Apolo e todos os demais são servidores do Senhor, que agem conforme os dons que Deus lhes concedeu, e assim nos levam à fé.

Um pouco mais adiante, porém, Paulo vai dizer que as divisões têm a sua utilidade. Ao falar da Ceia do Senhor, ele escreve que quando a comunidade se reúne há “cismas” entre seus membros. Isto quer dizer que há desentendimentos sem que haja alteração na doutrina aceita por todos. Paulo, porém, vai além, e diz que “é preciso” que haja até mesmo “heresias”, que são divisões mais profundas e atingem o que se crê, porque assim se pode ver quem são os comprovados. É a maneira de se perceber quem é ajuizado, com a cabeça no lugar e bom senso, quem passou pela prova e foi aprovado. Estes são os comprovados.

O grupo mais ligado a Apolo parece ter desenvolvido teorias espirituais e ter formado um tipo de escola de espiritualidade com iniciação à sabedoria. A busca da sabedoria significa em Corinto a busca de um conhecimento superior dos mistérios de Deus. Usavam uma linguagem elaborada com termos e conceitos que os iniciados entendiam. Isso tudo na realidade é sabedoria humana diz Paulo. A verdadeira sabedoria é a de Deus. Quem fica no nível puramente humano não é espiritual, é psíquico e não aceita o que vem do Espírito de Deus. Não é espiritual e sim carnal, porque não tem o pensamento de Cristo. Isto se vê nas invejas e nas rixas que aparecem nas divisões dos grupos. Na verdade somos todos servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. O que importa é manter firme o fundamento colocado como base da construção que temos que fazer. Esse fundamento é Jesus Cristo, e nenhum outro. Sobre ele, cada um constrói como pode, como as circunstâncias o permitem. Pode ser que sua obra não perdure pela fraqueza do material. Ele, porém, será salvo, porque não mudou o fundamento que é Jesus Cristo.

Cônego Celso Pedro
Arquidiocese de São Paulo

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