Ainda em Éfeso, Paulo escreve novamente aos filipenses, desta vez fora da prisão. Esta carta se encontra em Fl 3,1b-4,1. Os “judaizantes” de Antioquia, que tinham passado pela Galácia e motivaram a carta aos Gálatas, chegaram também em Filipos. Como em outras partes, anunciaram que Paulo estava errado e que era preciso observar a Lei de Moisés, sobretudo a circuncisão. Os cristãos de origem judaica tinham dificuldade em conviver com cristãos não circuncidados. A circuncisão era o sinal por excelência da aliança com Deus. Um circuncidado era membro do povo de Deus. Incircuncisos eram os pagãos idólatras que não conheciam o Deus de Israel.
Logo no início, Paulo chama os judaizantes de cães. Trata-se de uma ironia, porque os judeus chamavam de cães os não circuncidados. Paulo os chama de cães para dizer que a circuncisão deles não é verdadeira. A verdadeira é a daqueles que prestam culto pelo Espírito de Deus e se gloriam em Cristo. A circuncisão na carne, ao contrário, não é sinônimo de salvação. Ser observante de preceitos, e gloriar-se disso, não torna ninguém justo aos olhos de Deus. Paulo considera maus operários os cristãos missionários que pregam a necessidade da observância da Lei de Moisés.
Se alguém pode se gloriar por ser bom judeu praticante da Lei, esse é Paulo. Paulo é hebreu filho de hebreus, da tribo de Benjamin, fariseu zeloso e irrepreensível na observância da Lei, circuncidado ao oitavo dia, perseguidor da Igreja. Não é qualquer um que pode dizer que é irrepreensível na observância da Lei. Paulo não era um judeu relaxado, não praticante, que descobriu uma nova religião e abandonou a antiga. Ele tinha zelo pelo Deus de seus pais. Ele não deixou nada, não abandonou nada, não mudou de religião. Ele descobriu a pérola preciosa e empregou tudo para adquiri-la. Ele usa frases muito fortes e expressivas para dizer o que significou a descoberta de Jesus na sua vida.
“O que era para mim lucro, eu o tive como perda por amor de Cristo”.
“Eu considero tudo perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus”.
“Por ele, eu perdi tudo e tenho tudo como esterco, para ganhar a Cristo e ser achado nele”. “Para conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos”.
Jesus é o absoluto na vida de Paulo. Tudo o mais é relativo. Só Cristo é necessário. O resto é contingente. Não que o resto não tenha valor, mas diante de Cristo, perde o brilho, chega a parecer “esterco”.
Isto não significa que Paulo tenha atingido a perfeição na adesão a Cristo. Ele ainda não alcançou Jesus Cristo, mas caminha para a frente para ver se o alcança, porque ele já foi alcançado por Cristo. Na realidade, Cristo agarrou Paulo, e agora Paulo tenta agarrar Cristo. Ele deixa para trás o que fica para trás e avança para o que está adiante. Na frente está Jesus Cristo, que é o alvo. Paulo avança para ele, sem se deixar prender por nada do passado, nem por tudo o que havia de bom em seu judaísmo.
A carta estimula os filipenses a imitarem Paulo e outros irmãos e irmãs que assim vivem. Que todos caminhem para o mesmo alvo, conservando o rumo. Não sigam os inimigos da Cruz de Cristo. Eles estão preocupados com leis dietéticas e com a circuncisão na carne. Estas coisas são deste mundo. Nós já estamos vivendo os últimos tempos, esperando a manifestação definitiva de Jesus. Então o nosso corpo frágil será como o corpo glorioso de Cristo. Só nos resta permanecer firmes no Senhor.
Em sua exortação, Paulo não impõe o seu pensamento. Ele o defende com vigor, mas deixa a Deus a obra do convencimento. “Se vocês pensam de outra forma”, escreve Paulo, “Deus os esclarecerá”.
Paulo tem idéias claras. Quem descobre Jesus Cristo não precisa de mais nada. É ele quem nos abre as portas do céu e não os méritos que adquiri pela prática dos preceitos da Lei. Os preceitos da Lei me ajudam, como um professor, a não sair do caminho. Não posso, porém, me gloriar nas observâncias, querendo obrigar Deus a me das recompensas ou julgando-me superior aos outros, os não-observantes. Nossa glória está somente na Cruz de Jesus.