Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Dentro do contexto do mês de férias escolares, estamos celebrando o décimo quarto domingo do Tempo Comum. As leituras de hoje nos convidam a adentrar no projeto do Deus da vida, para sermos instrumentos de paz, consolação e esperança no mundo. A liturgia deste décimo quarto domingo do Tempo Comum coloca em evidência a necessidade do anúncio do Reino de Deus por parte dos discípulos de Jesus. Esse anúncio é motivo de gozo e alegria, tanto para quem o realiza quanto para os destinatários desta Boa Notícia.
Na primeira leitura – Is 66,10-14c – temos o contexto de volta do povo Hebreu do exílio da Babilônia, e agora a tarefa é reconstruir o templo e a cidade. O profeta tentar animar e transmitir sentimento de otimismo e alegria em meio a esta situação. Quando Jerusalém começa a ser reconstruída. O profeta utiliza imagens maternas para retratar o cuidado divino. A paz é comparada a um rio abundante, trazendo conforto e prosperidade ao povo. profeta convida os exilados a redescobrirem sua identidade no cuidado amoroso de Deus. Aqui, a paz não é apenas a ausência de conflito, mas a plenitude de vida e justiça.
Na segunda leitura – Gl 6,14-18 – São Paulo, recorda que a cruz é o centro da nova criação. O apóstolo desvaloriza os rituais externos e não compactua com eles, como é o caso da circuncisão, manifestando-se em favor de uma transformação interior, atitudinal, que nos torna parte do “Israel de Deus”. A “Criação nova” em Gálatas nos desafia a repensar nossa fé como transformação interior e exterior. Quais práticas religiosas estão realmente nos aproximando do Reino de Deus e quais se tornaram apenas rituais vazios?
No Evangelho – Lc 10,1-12.17-20 – Jesus envia os 72 discípulos em missão, reforçando a urgência do Reino de Deus. A instrução sobre viajar sem provisões aponta para a total dependência de Deus. Nesse envio, dá-lhes algumas recomendações: serem mansos no meio de lobos, assumir atitude de pobreza e simplicidade, ser portadores da paz, contentar-se com o que lhes oferecem, dar atenção especial aos necessitados. O objetivo primeiro é o anúncio ao Reino. O número 72 pode ser uma quantidade simbólica e pode aludir às nações da Terra mencionadas em Gênesis 10, sugerindo uma missão universal.
A missão dos enviados consiste em anunciar a paz, não simplesmente com uma saudação corriqueira. A paz anunciada é o próprio Reinado de Deus acontecendo em Jesus e em sua missão. Os enviados devem testemunhar o amor de Deus gratuitamente, sem imposições e sem confiar nas posses materiais. A missão, portanto, não é uma tarefa somente de alguns, do grupo dos doze, mas uma obra também dos leigos, ou seja, de todos os cristãos. Assim, a missão é universal desde a sua origem e compreende todos. O texto especifica que Jesus envia “dois a dois”, pois o anúncio do Evangelho não é uma tarefa pessoal, mas de uma comunidade. O fato de serem enviados de dois a dois também quer mostrar a credibilidade do testemunho, além do fato do encorajamento que um pode dar ao outro no caso de desânimo diante das dificuldades.
Jesus faz o envio: “Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos”. É a imagem clássica da fraqueza diante da violência. A missão é uma obra difícil e perigosa. Aqueles que Ele enviou devem cumprir fielmente o seu trabalho, mas não devem exigir demasiado de si mesmos nem entrar em pânico diante da grandeza da missão. Devem, sim, ter consciência que não será uma tarefa fácil e que nem sempre serão recebidos de braços abertos. Devem fazer sua parte, com competência e perseverança, pois, em último caso, a responsabilidade é de Deus, e Ele não vai deixar cair em ruínas a sua messe, mandando trabalhadores necessários para isto. O gesto de bater, sacudir a poeira dos pés, era um gesto simbólico dos israelitas que, ao ingressar de novo no próprio país, depois de terem estado em terra pagã, não queriam ter nada em comum com o modo de vida deles. Libertar-se da poeira que se grudou aos pés enquanto estavam em território pagão significava ruptura total com aquele sistema de vida.
O estilo da missão de Jesus e dos discípulos é o oposto daquele dos poderosos que o mundo de hoje idolatra. Não se baseia sobre a vontade de dominar, a arrogância ou a ambição, mas sobre a proposta humilde, respeitosa, atenta aos mais fracos, oferecida na gratuidade, sem buscar outras recompensas. O Evangelho de Jesus é uma mensagem de vida verdadeira para quem confia somente em Deus, que é Pai e nunca nos desampara.
