Dom Adelar Baruffi
Bispo de Cruz Alta

 

Educar é provocar sede. Despertar o desejo de buscar, levantar o olhar, sonhar e aprofundar. Isto vale para a educação humana, mas também para a formação cristã: “Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus. Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei contemplar a face de Deus?” (Sl 41,2-3). Nossa missão é sermos “despertadores”. Como a fé é sempre uma resposta pessoal a Deus, que vem a nós e de muitas maneiras nos mostra seu amor, é preciso despertar a sede, o desejo de Deus que já está em nós. A razão, por si só, não dá conta da busca humana. Ela promete a saciedade e a plenitude, mas não tem sabor, cor e coração. Ela, por si só, é fria e reta. A razão e a fé andam juntas, uma precisa da outra (cf. São João Paulo II, Fides et Ratio).

A mística cristã aprofundou o sentido da sede humana, como foi o caso do episódio evangélico da samaritana (cf. Jo 4, 1-41). Jesus se encontra com esta mulher no poço de Jacó, num horário inoportuno, ao meio-dia. Gasta muito tempo dialogando com ela, para que nela fosse despertado o desejo da “água viva”. Como nos diz Santo Agostinho, refletindo sobre esta passagem bíblica: “Jesus tem sede que a samaritana tenha sede dele”. É Jesus quem tem sede, quem deseja a comunhão vital conosco, por isso pede à samaritana: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). A presença, o diálogo, o testemunho sincero de Jesus Cristo serviu como “despertador” para a samaritana. Jesus lhe diz claramente que somente na relação com Ele terá “água viva”: “Se tu conheceres o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva” (Jo 4,10). Jesus promete “água viva”, que sacia para sempre: “Aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (Jo 4,14). Os grandes santos místicos, como São João da Cruz, Santa Teresa d`Ávila, Santa Terezinha, bem como o famoso livro “A imitação de Cristo” testemunham que a vida humana só será completa e plena na comunhão com “o amado”, conforme linguagem do Cântico dos Cânticos. Santo Agostinho tinha clareza desta essencial ligação com Deus: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”.

O desejo de Deus está no coração humano, porque fomos criados à sua imagem, com sede dele. No entanto, ele precisa ser despertado e conduzido. Assim como nossa profissão, também este caminho espiritual precisa ser buscado e acompanhado. Esta missão é nossa: testemunhar, com alegria, a graça de Deus em nossa vida. Deus nos criou por amor, para amar e servir.

Os caminhos pelos quais esta sede é despertada variam muito. Não importa, nem sequer o momento da vida em que inicia. É muito belo perceber que Deus sempre nos visitou e acompanhou nossa estrada, mesmo quando não tínhamos consciência de sua presença. Aquele que vive sua condição humana como sedento, permanece humilde, pois sabe de sua incompletude e sua pequenez diante de Deus. Este permanece aberto e acolhedor e nunca se julga dono da verdade. Isto porque o evangelho é, em primeiro lugar, um estilo de vida que Jesus nos deixou, com todas as suas consequências existenciais e morais.

Enfim, muito atual é manter a sede “da face de Deus”, da vida eterna. Recordamos do velho Simeão, que resumiu toda a sua e nossa esperança: “Deixa o teu servo partir em paz, pois os meus olhos viram a tua salvação” (Lc 2,29-30).

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