Dom Geraldo Maia
Bispo de Araçuaí (MG)
Temos assistido, com profunda tristeza, à atuação da maioria dos Deputados e Senadores contra os interesses das minorias, em favor de megaprojetos econômicos que infringem o respeito pelo ser humano e pela natureza. Aqui, abordaremos dois projetos tramitados recentemente no Congresso Nacional e que contrariam a justiça, atingindo comunidades tradicionais — indígenas e quilombolas – como também a ecologia integral: o “PL da Devastação”, como ficou conhecido o Projeto de Lei nº 2.159/2021, e a “PEC do Marco Temporal”, Projeto de Emenda Constitucional que prevê a demarcação de terras indígenas que já se encontravam em disputa somente até a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988.
O “PL da Devastação” (Projeto de Lei 2159/2021) prevê a flexibilização do sistema de licenciamento ambiental do país, fragilizando comunidades tradicionais e o meio ambiente. Com a justificativa de facilitar o desenvolvimento do país, esse PL viola princípios constitucionais e fragiliza os instrumentos que protegem o meio ambiente. Entre os absurdos do texto, destaca-se o autolicenciamento, que permite aos próprios empreendedores atestarem os impactos ambientais de suas atividades, sem a devida análise técnica por órgãos competentes. Nem consigo imaginar as consequências disso em áreas de interesse de atividades minerárias, como é o caso do Vale do Jequitinhonha, dentre tantas outras áreas do país.
Mesmo assim, a maioria do Congresso Nacional aprovou esse PL. O texto aprovado seguiu para a sanção presidencial. O Governo Federal impôs 63 vetos na lei aprovada, mas o Congresso derrubou 56 dos vetos presidenciais. Inacreditável, Deputados e Senadores resgataram a proposta original do maior retrocesso ambiental do país, em quarenta anos. Com um discurso travestido de progresso para o país, nossos representantes no Poder Legislativo confirmam o “PL da Devastação”. Entra em cena, agora, o Poder Judiciário. Cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar a inconstitucionalidade da lei aprovada pelos interesses vergonhosos da exploração ambiental.
Outra vergonha nacional foi a PEC do Marco Temporal, Proposta de Emenda Constitucional (Projeto de Lei 490/2007) que afeta os interesses das minorias indígenas. A tese do Marco Temporal é uma das principais ameaças que existem hoje contra os povos indígenas do Brasil. Por meio dela, se pretende estabelecer uma data a partir da qual um determinado território pode ou não ser considerado terra indígena, o que seria até a promulgação da Constituição de 1988. No entanto, isso não é previsto no texto da Carta Magna. Claramente, trata-se de uma proposta inconstitucional.
Organismos vinculados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – lançaram uma Nota Comum sobre o licenciamento ambiental, em defesa do mundo criado, dos povos indígenas e comunidades em situação de vulnerabilidades. O documento questiona principalmente a criação de dispositivos, como a “Licença Ambiental Especial” e a “Licença por Adesão e Compromisso”. Tais licenças, de acordo com a Nota, terão impactos severos como a redução de avaliação prévia de empreendimentos com o potencial de causar danos irreversíveis ao meio ambiente, especialmente em áreas sensíveis como a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado”. Continua o texto: “Rejeitamos veementemente este projeto e clamamos por uma legislação ambiental que responda à urgência do tempo presente com responsabilidade, diálogo, participação social e reverência diante do mistério da vida. É necessário um desenvolvimento sustentável e inclusivo, uma legislação unificada e que ajude a todos”. (O cuidado com a Casa Comum é a nossa causa comum, 21/07/2025).
Infelizmente a PEC foi aprovada pelo Congresso Nacional. O texto segue, agora, para a análise do Supremo Tribunal Federal. A Presidência da CNBB emitiu Nota, em que faz veemente apelo aos Senadores e aos Ministros do STF: “Os Senadores devem refletir se vale a pena criar mais uma crise jurídica a partir das vidas dos povos indígenas. E o STF, que possui a nobre missão de zelar pela Constituição Federal, tem em suas mãos, mais uma vez, a oportunidade e a responsabilidade de preservar os direitos fundamentais dos povos indígenas. São cláusulas pétreas que não podem ser modificadas, sequer pelo Legislativo” (O Marco Temporal, a Justiça e a Democracia, 08/12/2025).
A mesma Nota da CNBB nos recorda dois textos importantes dos papas: “O Papa Francisco já havia destacado que ‘Quando os povos indígenas são despojados de suas terras, não só perdem seu sustento, mas também algo de sagrado.’ (Discurso no Canadá, 2022, durante sua viagem de reconciliação). O Papa Leão XIV reafirma que este ‘sagrado’ dos povos indígenas deve se ‘apresentar com coragem e liberdade’, na ‘sua própria riqueza humana, cultural e cristã’ (mensagem do Papa Leão XIV às Redes de Povos Nativos e à Rede de Teólogos da Teologia Indígena por ocasião do Ano Jubilar, 2025). A inconstitucionalidade do Marco Temporal é o caminho da paz, da justiça e do sagrado.” (Idem).
Essas decisões de nossos parlamentares ocorrem logo após o Brasil e o mundo se debruçarem sobre os desafios ambientais na COP-30, realizada em Belém (PA). Os belos discursos de respeito ao meio ambiente não condizem com as atitudes e decisões tomadas pela maioria de nossos representantes no Congresso Nacional. É preciso rever os valores éticos dessas pessoas públicas que votam em favor de um pretenso interesse desenvolvimentista e avaliar se os amantes do progresso — contra a ecologia integral, os povos indígenas, os quilombolas e outras minorias — continuam a merecer nosso respeito e nosso apoio. É bom lembrar que, no próximo ano, haverá eleições estaduais e federais. Já é hora de começar a analisar a conduta de nossos representantes, especialmente no Poder Legislativo.
