Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Quando o ser humano abandona o compromisso em se manter na condição de “coração da paz”, perde a capacidade para o diálogo e, consequentemente, compromete importantes valores, a exemplo da reconciliação. Com isso, são gerados prejuízos para diferentes segmentos, instituições e a humanidade. Cresça a consciência sobre a importância de se tornar coração da paz, para que sejam evitadas graves perdas, muitas irreparáveis, provocadas pelos sentimentos da revolta e mesquinhez. Esses males precipitam pessoas e grupos nas tribulações e sofrimentos, em ameaças violentas. Ferem dignidades, atrasam avanços sociais. Entristece, particularmente, ver a ação de oportunistas e aproveitadores que buscam destruir seu semelhante, ancorados nas facilidades das tecnologias da comunicação. Pessoas que buscam se promover, sacrificando a possibilidade de diálogo, dedicando-se a ataques no âmbito de instituições e segmentos da sociedade. Podem até trair seu semelhante para efetivar visões reducionistas ou obter resultados financeiros. Desconsideram que o diálogo é instrumento indispensável para se alcançar o dom da reconciliação.
Sem diálogo não se consegue estar a serviço da fraternidade, caminho para a reconciliação. Essa tarefa deixa de ser exercida por falta de autoconhecimento e ausência de compreensão a respeito do semelhante. Ser agente de reconciliação está na contramão de todo tipo de vingança e revolta. É trilhar a estrada da recomposição de tecidos sociais e políticos desgastados. Significa atuar no urgente resgate de dignidades feridas, pela superação de conflitos e guerras, de diferentes proporções. Há de se reconhecer as perdas geradas por litígios, dos mais variados tipos. A reconciliação é alcançada justamente quando se investe no encontro de caminhos que garantam o resgate e a promoção da dignidade humana perdida para interesses mesquinhos. Isto porque a reconciliação é processo fecundo e incidente na superação da corrupção e das explorações que alimentam o ódio e a violência.
Processos de reconciliação pedem renúncias e ofertas capazes de fecundar diálogos e recompor relacionamentos. Na direção oposta, quando não se quer perder nada e tudo ganhar, o ser humano facilmente deixa de ser coração da paz. A interioridade passa a hospedar rancores e o desejo de vingança, a mesquinhez e a indiferença, alimentando preconceitos e discriminações. O diálogo torna-se cada vez mais difícil, prevalecendo o isolamento e a terrível consideração do outro como inimigo. Dialogar é sempre o caminho para superar a desconfiança e o medo que fragilizam ainda mais as relações. É, pois, um processo que acende luzes para dissipar as sombras da convivência humana. Dialogar significa trilhar o percurso que leva a entendimentos iluminadores, capazes de alcançar soluções para problemas urgentes. Sem diálogo, ganha hegemonia a força bélica, o fechar-se nos próprios limites de compreensão, que sempre pede novos horizontes e mais claridade.
Dialogar capacita o ser humano para o perdão, unção terapêutica que vence mágoas e viabiliza uma autêntica fraternidade, compreendida à luz da referência amorosa de Deus. Vale o esforço diário de alimentar a paz, por meio do remédio do diálogo, caminho de reconciliação, priorizando a comunhão fraterna. Para bem viver essa missão, deve-se resgatar, o tempo todo, o desejo de paz que está inscrito no coração de cada pessoa, abandonando o anseio de querer dominar os outros. É preciso, pois, ter especial cuidado para não se deixar contaminar pela mágoa, nem buscar se sobrepor ao outro – alcançar vitórias a todo custo. Quem se deixa contaminar pode se achar defensor do bem e da verdade, mas, na realidade, investe em violentos ataques ao semelhante, não raramente pertencente à mesma família, instituição ou segmento. A defesa do bem e da verdade não pode se tornar justificativas para destruir dignidades e reputações.
Preciosa é a exemplaridade do diálogo de Pedro com Jesus, introduzido pela interrogação: “Senhor, se meu irmão me ofender, quantas vezes lhe devo perdoar? Até sete vezes?”. Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Longe de ser conivência com o erro e com a injustiça, trata-se de encontrar, a partir do próprio coração, o caminho da reconciliação. Isto significa também cultivar a força do perdão, em lugar do ódio e da vingança. Aprender a perdoar é sinal de sabedoria essencial às relações de qualidade. Um caminho que desenvolve a capacidade para reconhecer-se irmão e irmã do próximo. A disponibilidade para o diálogo e para a reconciliação constitui balizamento indispensável no processo de construção da paz, iluminando entendimentos alicerçados na verdade e na justiça. Aqueles que cultivam essa disponibilidade podem efetivamente exercer uma virtuosa e necessária liderança, conquistar protagonismo no mundo contemporâneo.