Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)

 

Dialogar é o único e insubstituível caminho para a construção ou reconfiguração de um projeto civilizatório. Uma vez abandonado o caminho do diálogo, espaços são abertos para autoritarismos, subjetivismos exacerbados, manipulações e hegemonias de todo tipo, resultando em perdas incalculáveis para a sociedade. Dialogar é tecer clarividências e reconhecer princípios que impulsionam o desenvolvimento integral. Abandonar o diálogo é uma tentação enraizada nas feridas narcísicas que adoecem o ser humano e muitos relacionamentos. No contexto institucional, a falta de diálogo impõe atrasos que ameaçam o bem comum. Nas instâncias governamentais e legislativas, essa carência leva ao desrespeito dos direitos cidadãos. Quando há interrupção de diálogos lúcidos entre os poderes executivo e legislativo, ocorre o consequente distanciamento em relação às demandas fundamentais de uma população, que fica refém de disputas ideológicas e partidárias.  

Trocar o diálogo pela “queda de braço” é prejudicar processos com potencial de ajudar a sociedade a se tornar mais fraterna, sem primitivismos que possam ferir a dignidade humana. Essa troca serve para camuflar manipulações que buscam trazer benefício a poucos, normalmente àqueles que possuem mais. E a “corda arrebenta do lado do mais fraco”, contabilizando perdas para os mais pobres e vulneráveis. Lamentavelmente, a prevista tergiversação política, com certa frequência, se reduz a disputas distanciadas do diálogo que configura e mantém a qualidade da vida, a assertividade das decisões e as escolhas que são fruto de qualificadas reflexões. Por isso mesmo, a capacidade para dialogar é caraterística daqueles que se notabilizam na representação política. Esses representantes conseguem evitar que projetos humanitários e estruturantes, capazes de contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, sejam destruídos por ideologias partidárias ou pela sede de poder.  

O diálogo, instrumento insubstituível na construção civilizatória, contempla uma dinâmica prioritária: a capacidade de escutar. O descaso em relação aos pobres, por exemplo, vem da incapacidade para escutar seus clamores. Dialogar é atitude oposta àquela que caracteriza um monólogo, quando alguém que detém poder busca construir certo distanciamento em relação a possíveis interlocutores. Mais que uma simples escuta de sons emitidos, sem dedicar atenção ao semelhante, o diálogo é um processo autenticamente construtivo e determinante: define rumos de pessoas e instituições, constrói entendimentos, possibilita a partilha de conhecimento, consolida o senso de pertencimento, a partir da valorização da participação. Nesse processo, escutar, em profundidade e pacientemente, é exercício indispensável para qualificar discernimentos e construir adequadas respostas às demandas sociais.  

Os clamores dos pobres merecem atenção especial. Ignorá-los significa investir em um bem-estar egoísta, em um sonho mesquinho, alimentando somente o consumo patológico que agrava vergonhosas exclusões.  Consolidar uma sociedade em que, continuamente, cresce a brecha entre ricos e pobres, com portas abertas para privilégios que são contraponto à justiça. Não se pode simplesmente almejar o atendimento dos próprios interesses. O ser humano, em seu projeto de vida, deve exercer sua cidadania de modo responsável, buscando contribuir para a superação de todo tipo de miséria, para a promoção de mais equilíbrio social. Esse exercício adequado da cidadania contempla investir sempre no diálogo, inclusive identificando o que pode levar ao seu enfraquecimento.  

Diálogos podem se tornar inviáveis quando envolvem pessoas com mundividências estreitadas, modeladas somente por interesses pecuniários e sede de poder. Não menos grave são as visões de mundo enquadradas simplesmente pela cega disputa ideológica. Essas mundividências inimigas do diálogo levam a guerras entre grupos, nações e instituições. Dialogar adequadamente possibilita êxitos em grandes empreendimentos e projetos, conta determinantemente na construção de soluções para dilemas existenciais e na superação de interpretações subjetivistas. Somente o diálogo, com a dinâmica da escuta, pode curar as feridas do ressentimento e apagar a incandescente brasa da disputa. Quem dialoga pode encontrar o caminho da cura, reconhecendo e distanciando-se dos próprios estreitamentos humanos. Ódios são superados pelo diálogo. Guerras cessam. Inimigos se reconciliam. A alma encontra paz.  

A cultura do diálogo é o alicerce e o horizonte para a implantação da cultura do encontro, uma demanda urgente e contemporânea para promover solidariedades. Assim, adotar lógicas de respeito à dignidade humana e ao equilibrado tratamento ecológico do planeta. O comportamento ético-moral de uma sociedade, seu patrimônio inegociável, depende dos diálogos, essenciais à construção de novos parâmetros civilizatórios. Dialogar sempre, sempre, sempre.  

 

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