Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO) 

 

Há vinte e três anos o Documento de Aparecida sintetizava um sentimento despertado na Igreja daquele tempo ao afirmar que a “Igreja [é] chamada a fazer de todos os seus membros discípulos e missionários de Cristo, Caminho Verdade e Vida” (DA 1), introduzindo a ideia de um novo recomeço, como o próprio documento fazia ver: um recomeço a partir de Cristo. 

Recomeçar a partir de Cristo é buscar na quotidianidade do Evangelho o alargado coração de Deus em suas andanças por este mundo, pois o humano só compreende o que é humano; por isso, outros, antes de nós, penaram tanto sem conhecer a Encarnação. 

Agora que o verbum caro factum est e habitou entre nós, essa presença é o que nos garante na lida, mesmo sabendo que a  vitória não é nossa. Nesta lida “o mais decisivo na Igreja é a ação santa do seu Senhor” (DA 5), não a nossa. A nós cabe ganhar tempo. Apostar tudo no bem e ser inquebrantável diante do mal. 

Não uma força de arraste contrária, pois grandes e desmedidos poderes não freia a roda do mal. Ganhamos tempo nos eximido de ceder ao mal e a esses grandes poderes. A roda não pode ser parada, mas pode ser quebrada pela imobilidade daqueles que rejeitam o seu movimento. Só a vida do nosso Senhor pode iluminar estas atitudes. 

“A todos nos toca recomeçar a partir de Cristo, reconhecendo que não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (DA 12). 

Jesus Cristo é o Ereignis (Evento) que muda a vida. Como já defendia Heidegger, um evento é o que transforma a história e traz as novidades suficientes para se fugir do tédio. Cristo como o Acontecimento que muda a face da terra muda também a vida. 

A vida mudada é vida nova que parte de outro referencial. A régua foi alçada ao nível da divindade encarnada de Jesus. Como Deus, Ele mostra o fim; como humano, Ele deixa ver que é possível alcançá-lo. Surge no mundo os cristãos, cujas vidas é uma dialética infinita entre ser discípulo e missionário. 

Enquanto discípulos estão sempre aprendendo do seu Senhor, o evento contemporâneo que causa admiração e consolo. Como missionários, levam ao mundo, a começar pelos que estão perto, a notícia de que um evento extraordinário aconteceu e o mundo já não é mais o mesmo, pois o Filho de Deus caminha entre nós. 

A força desse evento é o que sustenta a missão, pois “não resistiria aos embates do tempo uma fé católica reduzida a uma bagagem, a um elenco de algumas normas e de proibições, a prática de devoção fragmentada” (DA 12). 

Cristo é o Evento que produz o discipulado e a missão. Não há mais de se falar de pastoral como prática tediosa de uma função, nem de missão como algo reservado para poucos. Todo discípulo bem formado é missionário e a missão é o efetivo desempenho do discipulado. 

A este ponto chega-se à conclusão de que no “encontro com Cristo, queremos expressar a alegria de sermos discípulos do Senhor e de termos sido enviados com o tesouro do Evangelho. Ser cristão não é uma carga, mas um dom” (DA 28). 

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