Dom José Gislon
Bispo de Caxias do Sul
Diante da realidade social, marcada pela pandemia do COVID19, que estamos vivendo como humanidade e também como Igreja, comunidade de fé, podemos ter reações positivas, marcadas pelo espírito de solidariedade, de empenho nas ações caritativas, mas também uma proximidade maior, mais amorosa e afetiva no ambiente familiar.
Todos esses passos, quando dados e vividos como discípulos e discípulas do Senhor, à luz da Palavra de Deus, geram vida nova a partir do nosso interior, da nossa capacidade de olharmos o mundo, com os olhos do coração, do amor-compaixão pela vida, dom de Deus, que está presente em mim, mas também naqueles que encontro ao longo do caminho.
Diante da realidade do momento, podemos ter reações muito diversas. Elas podem manifestar preocupações e incertezas, o que de certa forma é normal, mas também indiferença em relação ao que está acontecendo, principalmente quando estamos centrados no nosso egoísmo individualista, onde a dor e a ameaça à vida dos outros não nos diz nada. Eu vejo a dor e o sofrimento dos outros com os olhos, mas os mantenho distantes do meu coração, até mesmo na celebração da minha fé. Aliás, me escandalizo, com as atitudes tomadas pela Igreja e outras instituições, com o objetivo de proteger a vida das pessoas diante da pandemia que estamos vivendo.
Isso me faz lembrar os discípulos de Jesus, que foram até Jerusalém para participar do seu momento de glória, onde ele seria coroado rei de Israel, mas ficaram escandalizados com a sua morte na cruz. Principalmente com o seu silêncio e a sua falta de reação diante da brutalidade humana a que foi submetido. Como alguém que tinha feito o bem e empolgado a multidão, enchendo o coração das pessoas de esperança em relação à vida e ao futuro, podia ter morrido de forma tão humilhante? Diante dos últimos acontecimentos, marcados por uma grande desilusão, não resta que retomar o caminho de volta para casa, relembrando a cada passo as expectativas que tinham ao irem, e o desalento que marca suas vidas no caminho de retorno.
Penso que esta situação vivida por alguns dos discípulos de Jesus está presente também em muitos dos nossos irmãos e irmãs de fé, diante da situação em que nos encontramos hoje, em relação às provações que estamos passando, através das nossas cruzes cotidianas, como sociedade e como comunidade de fé.
A experiência da cruz de Cristo perpassa também a vida de cada cristão. Não existe cristianismo sem cruz, não praticamos a nossa fé, ou a celebramos em comunidade, para que o Senhor nos tire a nossa cruz, mas para vivermos uma profunda comunhão de amor e vida com o Ressuscitado e com os nossos irmãos e irmãs que peregrinam neste mundo. A fé no Ressuscitado alimenta a nossa esperança, de que podemos vencer os desafios que a vida nos apresenta em todos os momentos da nossa história, porque ele sempre estará conosco.