Discípulos e Missionários

A preparação para a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho já foi iniciada. Tendo em mãos o Documento de Participação elaborado pela Comissão Central de preparação da V Conferência, do CELAM, dioceses, paróquias e organizações e grupos eclesiais do Continente inteiro estão refletindo sobre a realidade social e pastoral, à luz do tema proposto, com o objetivo de darem suas contribuições ao Texto.

Todo esse processo já é parte da V Conferência, que acontecerá provavelmente em maio de 2007, em Aparecida, junto do santuário nacional de Nossa Senhora. Quando os Delegados de todas as Conferências Episcopais da América Latina e do Caribe se reunirem, juntamente com o Papa, terão em mãos o Documento de Síntese, fruto de todo esse caminho de avaliação e reflexão feito pelo conjunto da Igreja; espera-se que este novo texto possa espelhar o mais fielmente possível a realidade, as necessidades e os anseios dos povos e da Igreja na América Latina e no Caribe.

O objetivo da V Conferência Geral é ajudar a Igreja a aprofundar sua adesão a Jesus Cristo e ao Evangelho e a ser fiel à missão que lhe está confiada no atual contexto histórico. Para orientar a Igreja neste processo, o papa Bento XVI escolheu um tema bíblico e cristológico para a V Conferência Geral, apontando para a identidade do cristão e sua missão: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida. ‘Eu sou o caminho, a verdade e a vida’ (Jo 14,6)”. É a primeira vez que, na história das Conferências Gerais, é escolhido este tipo de tema, e não foi por acaso.

O cristão, de fato, tem sua referência constante em Jesus Cristo, que o chama e atrai a si, que convida a segui-lo no caminho e a descobrir sempre mais profundamente, em sua companhia, a verdade que liberta e salva e a encontrar, por ele, a vida plena. Ao mesmo tempo, como discípulo, o cristão aprende a ter o olhar de Jesus Cristo sobre toda realidade que o cerca e a perceber com o coração os apelos que Deus lhe faz através desta realidade. O discípulo se torna missionário e compartilha com os outros a alegria da sua fé e a dedicação ao reino de Deus, para que também os irmãos tenham vida plena por meio de Jesus. Sem esta constante referência, a Igreja perde sua identidade e deixa de lado sua missão.

Há cinco séculos, a pregação do Evangelho foi iniciada nestas terras, passando a marcar profundamente a vida e a cultura de nossos povos. O Evangelho foi uma grande graça para esses povos que, em meio às contradições próprias da condição humana, perseveraram na sua adesão a Jesus Cristo e à Igreja Católica, expressando-a através da piedade popular, da arte e de seus modos de viver. A devoção à Virgem Maria e aos santos, a confiança em Deus em meio às provações, a alegria e a esperança no futuro melhor são apenas alguns sinais dessa assimilação do Evangelho. Temos muito a agradecer aos missionários e às gerações que nos precederam e nos legaram a herança crista.

Hoje, porém, circunstâncias novas requerem da Igreja católica uma profunda avaliação sobre sua atuação junto aos povos latino-americanos. De fato, damo-nos conta que esta atuação nem acompanhou a evolução dos fenômenos sociais, como a urbanização, as mudanças econômicas e culturais, que incidem fortemente na vida dos nossos povos. Profundas mudanças religiosas também estão acontecendo e a perda de fiéis católicos é sintoma e conseqüência dessas mudanças. Esses “sinais dos tempos” requerem um discernimento atento e não nos podem deixar indiferentes.

Por outro lado, apesar de se tratar de países cristãos e, em sua grande maioria, católicos, persiste na América Latina e no Caribe um estado generalizado de profunda injustiça social. A desigualdade e a exclusão social manifestam-se de maneira inequívoca no quadro escandaloso da distribuição da renda, da exclusão social, da pobreza e das condições de vida sub-humanas de grandes extratos da população, do desemprego e da violência. Até quando isso deverá durar? O que podem e devem fazer os cristãos para mudar este estado de coisas?

A verdade é que todos precisamos aprender, sempre de novo, a ser cristãos e a traduzir isso em atitudes e ações coerentes em nossa vida pessoal e no mundo que nos cerca. E onde vamos aprendê-lo, senão olhando sempre de novo para Aquele que chama a ser discípulos e a segui-lo? “Queremos ver Jesus, caminho, verdade e vida!” Na verdade, queremos e precisamos ver Jesus, ouvir sua palavra e seguir seu exemplo. O discipulado é um itinerário de conversão e aprofundamento de nossa adesão a Jesus Cristo e ao reino de Deus, que em sua pessoa se faz presente no mundo.

A preparação da V Conferência Geral é uma ótima oportunidade para retomar os Evangelhos, para lê-los e estudá-los a partir da ótica do discipulado. A vida cristã nasce e se aprofunda no encontro pessoal com Jesus Cristo vivo. Esta é a originalidade da fé crista, que não decorre de um raciocínio bem feito, nem do esforço pessoal de busca da perfeição. A coerência moral e a aceitação da doutrina vêm como conseqüência. A condição própria do cristão é ser discípulo. E os Evangelhos são itinerários catequéticos para o crescimento dos discípulos na fé e para a vivência da missão. Toda a Igreja na América e cada cristão, em particular, são chamados a reavivar a experiência do discipulado, como um dom gratificante e uma correspondência generosa.

Só o discípulo se tornará verdadeiramente missionário. A realidade cultural e religiosa da América Latina mudou e a Igreja católica já não pode mais contar com o pressuposto de uma transmissão automática da fé no contexto social, nem mesmo nas famílias e nas suas comunidades. Constatamos, de fato, que numerosos católicos foram apenas batizados mas nunca evangelizados; eles têm o direito de receber a Boa Nova da Igreja e de todos aqueles que já fizeram a experiência do discipulado em suas vidas.

É urgente retomar a atitude missionária, não como dedicação especializada de uns poucos, mas como atitude geral e permanente das comunidades e de cada membro da Igreja; não como um dever imposto e pesado, mas como atitude generosa de transbordamento da fé; a evangelização precisa ser a partilha alegre da boa notícia de quem encontrou “a pérola preciosa” e deseja que também outros a encontrem. Por isso mesmo, prevê-se que a V Conferência, uma vez realizada, leve a uma grande ação missionária em todo o Continente. Será uma grande graça de Deus.

D. Odilo Pedro Scherer

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