Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará

 

A Igreja celebra a Festa da Transfiguração (Cf. Mt 17,1-9), no início do mês tradicionalmente dedicado, em nosso país, às vocações. E vocação quer dizer chamado, trato pessoal de Deus com cada homem e cada mulher, possibilitando-lhe contribuir de forma original com a realização de seu plano de amor, que quer envolver a todos. Para nós, não existe cristão sem vocação, sem chamado especial de Deus! Responder ao seu chamado é deixar-se transfigurar e contribuir por um mundo melhor.

O Papa Francisco começou a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium com palavras de fogo: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria… O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também as pessoas que creem. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha de uma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado” (Evangelii Gaudium, 1).

Os discípulos de Jesus de ontem e de sempre receberam de seu Senhor a tarefa de levar a Boa Notícia a todos. Não nos é possível o acomodamento, pois precisamos chegar aos confins da terra, e estes limites tantas vezes estão bem próximos de nós. Evangelizar significa proporcionar a todos, no anúncio do nome de Jesus Cristo, o reconhecimento da própria dignidade e a realização dos anseios de felicidade e à perfeita alegria, mesmo sabendo que a plenitude só se encontrará no Céu, no face a face do amor eterno com a Santíssima Trindade.

Diante da falta de esperança e a escuridão de uma verdadeira noite da cultura, que muitas vezes abate o ânimo da humanidade, com a crise de valores referenciais para os passos a serem dados, a Igreja nos faz a proposta de caminhar no seguimento de Cristo, o único que acende efetivamente as luzes necessárias para o nosso tempo. Buscamos um roteiro consistente, que permita às pessoas dar passos mais seguros!

Acreditar no bem que está no coração das pessoas e na potencialidade que foi nelas plantada pelo próprio Deus. Assim Jesus conduziu seus discípulos num caminho de formação, sem levar em conta o quanto eram limitados. Pedro, Tiago e João, ao subirem com Jesus ao Monte carregavam consigo suas inseguranças e limites. Jesus sabia da existência de uma semente do bem no coração de seus três amigos, assim como conhecia suas fraquezas. Dentro do coração daqueles homens e no coração de todas as pessoas existe o melhor de tudo, que foi plantado pelo próprio Deus. Ele não criou ninguém para a infelicidade! Jesus conduziu seus discípulos a um alto monte, onde se transfigurou. Apontar para o alto do monte. Para frente e para cima, esta é a direção a ser seguida, sem nivelar a existência pelo rodapé.

O Evangelho de São Lucas (Cf. Lc 9,28-36), acrescenta que subiram ao monte “para rezar”. É verdade! Quem olha para frente a para o alto percebe que há outros elementos e uma outra vontade, a de Deus, interferindo no rumo da história. Deus não nos abandona, mas está sempre presente, conduzindo os acontecimentos, sem violar nossa liberdade. Só ele é capaz de agir assim! Rezar significa abrir espaço para a intervenção de Deus.

Os erros existem, o pecado ronda em torno de nós de forma devoradora e destrutiva. Nossa tarefa é identificar o que existe de negativo, dar a nossa contribuição para aperfeiçoar as pessoas, as estruturas e a sociedade, propor soluções concretas para os problemas, sem acomodamento nem denuncismo destruidor, cujo fruto é somente o mal estar corrente em nossos dias, como se a raiva e a revolta conseguissem resolver os impasses.

Os três amigos de Jesus contaram com testemunhas de alto valor: Moisés e Elias – Lei e Profetas, a nuvem luminosa do Espírito que os envolveu e a voz do Pai. Em nossa aventura cotidiana, além da voz de Deus, é frequente contar com a ajuda das pessoas que convivem conosco. Apurar o que as outras pessoas fazem, como respondem aos problemas, ouvir o testemunho de gente envolvida, não desprezar o caminho feito por muitos que já apanharam muito para enfrentar dificuldades semelhantes, valorizando o fato de que temos na Igreja uma miríade de testemunhas, especialmente os santos e santas, que lutaram e se dedicaram, cada um em seu tempo e seu contexto de vida, para ajudar o mundo a ser melhor. Basta recordar o próprio Pedro: “Esta voz, nós a ouvimos, vinda do céu, quando estávamos com ele na montanha santa. E assim se tornou ainda mais firme para nós a palavra da profecia, que fazeis bem em ter diante dos olhos, como uma lâmpada que brilha em lugar escuro, até clarear o dia e levantar-se a estrela da manhã em vossos corações” (2 Pd 1,18-19).

 Após a magnífica experiência do Tabor, os discípulos voltaram para a planície do dia a dia surrado, marcado pelo contato com todos os problemas. Ainda por cima, tinham que ficar calados, até a ressurreição de Jesus! (Cf. Mt 17,9). Na maior parte das vezes, trata-se de acender as luzes em silêncio, iluminando a vida das pessoas com o exemplo, outras vezes é o serviço da consolação, feito de escuta e de palavras encorajadoras, para mostrar-lhes o bem existente em seu interior. Vale ainda o esforço para recolher os fragmentos do bem, existentes no meio de tanta maldade. Tudo isso há de ser vivido com o sereno otimismo da fé, com o qual nos firmamos na terra, mas o olhar voltado para e eternidade, aquela que, em Cristo, já está presente em nossa história.

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