Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André (SP)
Muitos pensam que o pior já passou. Refiro-me á pandemia que estamos vivendo. É verdade que diminuiu o numero de vítimas, mas também é verdade que surgem muitas situações, nas quais as consequências da pandemia recomendam cuidado e vigilância constantes.
Conta-se que um jovem foi em seu camelo até a tenda de um mestre. Desceu do camelo, entrou no templo onde estava o mestre e disse-lhe: Tenho tanta confiança em Deus que deixei meu camelo lá fora, solto e sei que Deus protege os interesses dos que o amam. Então, volte e prenda o seu camelo, disse o mestre, pois Deus não gasta tempo ocupando-se daquilo que você é capaz de fazer sozinho. Moral da história: nós não podemos abusar da confiança e deixarmos de tomar os devidos cuidados que a pandemia exige de nós.
O bom senso recomenda que continuemos usando a máscara, higienizando as mãos, respeitando o distanciamento físico em especial não provocando aglomerações.
Existem vários estudos que alertam para o perigo de novas pandemias especialmente zoonoses, doenças causadas por micróbios que originalmente infestam animais. De fato, nossa memória é curta. Esquecemos rapidamente de algumas epidemias recentes como zika, ebola, vaca louca, gripe aviária, etc. As causas são as alterações ambientais que impulsionam a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas.
Se não forem adotadas estratégias preventivas que incluam proteção maior ao meio ambiente, surgirão outras pandemias talvez piores que a covid-19. A destruição da natureza tem seu preço. Talvez estamos para entrar na “era das pandemias”. Se já não entramos.
Mas porque não se tomam medidas preventivas? Por que não se faz o que se pode fazer para evitar o pior? Penso que temos algo pior que a pandemia que atravessamos. Estamos em meio a uma “crise ética” a qual inclui perda de valores e referências morais. Não se reage a mal feitos, má administração e falta de rumos nas políticas públicas. A vitória da esperteza em detrimento da justiça é diária.
No entanto, temos de ter confiança e esperança para sairmos desta crise sanitária, política, e econômica, melhores que antes. Mais solidários e comunitários. São muitos os sinais de esperança, dados por pessoas que deram exemplo de solidariedade e amor ao próximo durante esta pandemia. Muitos destes heróis do dia a dia que surgiram durante a pandemia, nos devem comprometer na construção de uma sociedade renovada por valores que preservam a vida humana.
Para isso precisamos de mais cuidado com o outro e com a natureza. A tecnologia não pode nos desumanizar, mas ao contrário, nos tornar mais humanos. Devemos rejeitar os assaltos à democracia. Devemos aprender a crescer com as adversidades, através da disciplina, resiliência, criatividade, determinação. É urgente uma melhor e mais justa distribuição de renda. Dizer não à polarização e á cultura da intolerância combatendo o mundo da “pós-verdade “ baseado nas fake news.
Se nos empenharmos em fazer o que podemos, o que está em nossas mãos realizar, Deus jamais deixará de nos ajudar e conduzir a um destino feliz e promissor para todos. Porém Deus não fará o que podemos fazer por nós mesmos.
Há uma certa preguiça em fazer o bem. Preguiça ou acomodação em reverter esta situação de desastre imenente com esta crise ecológica. Na demora muitas vezes está o perigo pois, como dizia Heródoto: “o homem que adia está constantemente em luta com a ruina”.