O bispo da prelazia do Xingu (PA), dom Erwin Kräutler, mais uma vez condenou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de conceder ao principal acusado de matar a freira Dorothy Stang, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, o direito de aguardar novo julgamento em liberdade. Dom Erwin denunciou ainda o desrespeito aos povos indígenas em defender suas terras e sua cultura.
Sobre a decisão da justiça em conceder aos povos indígenas o direito às terras da Raposa Serra do Sol, dom Erwin disse que foi uma vitória, mas que esta não representa o fim dos problemas sobre o caso que perdura em outras terras indígenas do país. “Raposa Serra do Sol foi uma vitória, depois de uma luta de 30 anos, mas dá a impressão de que está tudo resolvido, porém há mais da metade das áreas indígenas do Brasil que ainda não chegaram à conclusão, aos trâmites finais e homologação por parte do presidente da República”, disse.
Para dom Erwin, propaga-se no Brasil que há um enclave sobre as terras indígenas. Sobre esse fato ele caracterizou de “absurdo”. “As terras são da União. Nunca ninguém duvidou disto, jamais esse fator atingiu a soberania brasileira que é composta por diferentes povos culturalmente diferentes com até outras línguas, 160 no total”. Em contrapartida, o bispo do Xingu afirmou que lutar com os povos indígenas é também defender a soberania do país.
De “absurdo”, dom Erwin também chamou a decisão da justiça em conceder liberdade ao Bida. “É um absurdo. Nunca entendi e jamais entenderei como uma pessoa que foi condenada na forma da Lei, diante de evidências irrefutáveis a 30 anos de prisão está em liberdade. Eu chamo também isso de embromação porque como se pode admitir?”, questionou. “Nem com a prisão do Bida isso fica resolvido, porque não é só ele o mandante. No Pará domina um consórcio do crime e esse modelo continuará. É preciso verificar quem está por trás dessa morte, houve pessoas que preparam o assassinato dela”.
O bispo frisou ainda que conviveu com irmã Dorothy Stang e sabia que seu trabalho era em prol dos pobres. Segundo dom Erwin, teve pessoas que o imploraram para que expulsasse a freira do estado, mas ele fez o contrário. “Irmã Dorothy foi uma figura que viveu no Pará com o objetivo de ajudar as pessoas pobres e defender as florestas. O problema é que criar projetos para o desenvolvimento sustentável é contra os grileiros que se apoderam daquelas terras e a irmã só fazia valer as leis, a Constituição deste país”.
Sobre as provas apresentadas por Bida, que o levaram a ter novamente sua liberdade perante a justiça, dom Erwin disse que já teve provas evidentes de que ele mandou matar a freira. “Ele foi preso com provas evidentes. Como agora a justiça pode invalidar o que já foi provado? Eu acredito que além do judiciário, tem outros poderes que estão influenciando. Por trás dos bastidores acontecem coisas que nós não sabemos. Ele já chegou a dar várias versões do crime que cometeu”.
Segundo dom Erwin, uma das formas de combater esse consórcio é fazer valer as leis que regem o país. O bispo afirma que colocar a justiça para funcionar é o único meio legal de se chegar à paz. “O que eu busco para o estado do Pará e dos povos indígenas é que a justiça seja feita. Não estamos com espírito de vingança, mas queremos que a justiça faça seu papel e que a impunidade não prevaleça porque ela faz com que a espiral do crime se desenvolva”, diz.
Perguntado sobre qual campanha a Igreja deve fazer para conscientizar contra a impunidade, dom Erwin diz que não sabe mais qual deve ser feita, tendo em vista que já são realizadas Campanhas da Fraternidade, pela Paz, pela Segurança. O bispo ressalta que falta vontade política. “Os nossos parlamentares, com raras exceções defendem interesses particulares ou de oligarquias. Enquanto isso acontece, não vai haver justiça”.
“O que precisamos é de vontade política”, disse dom Erwin sobre as demarcações das terras indígenas. O bispo acrescenta que para que isso aconteça, as motivações são poucas porque depende do bom desempenho de uma justiça isenta. “Não é fácil a justiça fazer seu papel porque as ligações são fortes com os grandes latifundiários. Quem defende a causa indígena automaticamente é contra o latifúndio excessivo. É contra as mineradoras garimpeiras e as madeireiras que invadem terras indígenas. Isso cria um atrito. A verdade é que não se pode acender uma vela a Deus e outra ao diabo”.
Outro ponto questionado pelos jornalistas ao bispo do Xingu foi sobre o pensamento da Igreja para mudar a situação. Para dom Erwin, já não basta apelar para a Igreja, porque ela desempenha sua missão de conscientizar e sensibilizar. O bispo ressaltou que sozinha ela não é capaz de mudar a situação. O prelado citou, como uma das atuações da Igreja, o caso da CPI da pedofilia, instalada no estado. “A CPI jamais teria sido instalada se não fosse o papel denunciador da Igreja, que levantou a questão e denunciou. Depois disso, finalmente, por meio de um longo caminho de acusações e denúncias se instalou a Comissão”. O bispo completou o pensamento dizendo que a Constituição do país é uma das que mais tem leis no mundo e que é uma das mais bonitas, mas advertiu que há um abismo entre a Carta Magna e a execução da mesma.
								
								