Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo Metropolitano de Montes Claros (MG)
O dia 7 de setembro próximo marcará os 199 anos do evento que ficou como ícone da independência do Brasil frente a Portugal, país colonizador: o Grito do Ipiranga. No próximo ano haverá a celebração do bicentenário da Proclamação da Independência. O ideal de um país desenvolvido e democrático contrasta-se, neste tempo, com a persistência e aumento da pobreza, da fome, do desemprego, da violência e da corrupção. Diminui sempre mais a idealização de um país cordial, harmônico e exuberante em sua natureza. A pandemia, como elemento inesperado, acabou por revelar comportamentos inaceitáveis, seja de parte dos cidadãos comuns, seja de parte das autoridades e gestores públicos. Quanto ainda se repete, para vergonha nacional, a conhecida frase, equivocadamente atribuída ao presidente francês Charles de Gaulle: “O Brasil não é um país sério”.
A tentativa de compreender a identidade brasileira tem ocupado muitos estudiosos. Cada vez torna-se mais complexa a cultura nacional. Entre os componentes dela está a religião, especialmente o cristianismo, trazido pelos colonizadores. Inicialmente, com a presença apenas do catolicismo e, depois, do protestantismo, a história registra pouco de como conflituosa foi a relação com a religião dos povos originários e dos povos trazidos da África como escravos. Mesmo com a chegada de outras tradições religiosas, predominaram os valores cristãos na cultura, que tem se mostrado cada vez mais heterogênea.
Olhando o tempo presente, especialmente o quadro da política, da economia e da cultura, emergem perguntas: que cristianismo é esse que nós católicos, protestantes e evangélicos estamos vivendo e propondo? Nossas confissões religiosas, obviamente inspiradas em Jesus Cristo, estão evangelizando a Boa Nova da fraternidade, da justiça e da paz? Como o evangelho, nessas terras, está moldando a cultura? Que comportamento é esse de cristãos que desprezam o diálogo como caminho fundamental para o pacto em favor da vida e do Brasil? Que Igrejas e ministros religiosos são esses que se aliam aos mais fortes para se impor sobre os outros? Que cristãos são esses que agridem os que pensam diferente, desprezam o diálogo com as ciências, opõem-se a políticas públicas de promoção social, fogem do encontro com os pobres? Que cristãos são esses que promovem os conflitos e a violência? Que evangelização é essa que despreza o ecumenismo e abomina o diálogo inter-religioso?
Debates em torno de temas como armamentos, direitos humanos, imigrantes, povos originários, segurança, educação e outros têm demonstrado como o brilho do evangelho está se tornando opaco em razão de interpretações rasas, fundamentalismos perigosos, opções por caminhos muito distantes daqueles do Novo Testamento. É chegado, para nós cristãos, o momento de uma profunda revisão de vida, isto é, um balanço criterioso se ainda estamos apostando no evangelho como inspiração para viver.
Jesus compreendeu sua missão como portadora de vida abundante (cf. Jo 10,10). Tão abundante que abriu as portas da vida eterna pela ressurreição (cf. Jo 11,25-26). Quando o Grito dos Excluídos de 2021 clama pela “Vida em primeiro lugar” está se anunciando, mais uma vez, que a prioridade da defesa e cuidado com a vida é o traço mais evangélico que nós cristãos podemos oferecer à nação brasileira. Façamos isso.