Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas – TO
“Ele enxugará toda lágrima de seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas de antes passaram” (Ap 21,4). Linda esta profecia, uma das últimas que João, o Vidente, proferiu. Não vejo a hora de vê-la realizada. Comumente o Dia de Finados é um desses dias em que os nossos olhos marejam e se enchem de lágrimas. Chorar é próprio de quem ama. Esta semana, uma pessoa, no seu cuidado contra a Covid-19, me disse: “eu já disse aos meus falecidos: este ano não haverá flores, velas, missa e nem visita ao cemitério…” Muito radical esta sua decisão, embora não seja impossível acontecer. E é fato que estamos todos sujeitos às infecções de várias pandemias e de vários vírus sanitários, econômicos, sociais, políticos, ideológicos, culturais e religiosos. Verdade é que estamos todos no mesmo barco, só que em compartimentos diferentes.
Mesmo se muito triste, digo que a pandemia ainda não terminou. E as questões que envolvem a Covid-19 são sempre excepcionais. Neste tempo de pandemia, os cemitérios são os ambientes humanos que mais crescem e que mais recebem novos moradores. Nem todas as decisões sanitárias foram capazes de minorar os lutos, locais e globais, por causa de “muitas vidas perdidas”, como comumente é usada esta expressão. Muitos foram enterrados e cremados, sem velórios e sem as tradicionais despedidas de parentes e amigos.
Este ano, por orientação da vigilância sanitária, não podemos ir normalmente aos cemitérios.
Não poderão haver aglomerações nos cemitérios e em seus entornos. Mas deverão haver momentos celebrativos em casas, em famílias. Jesus disse à samaritana que vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai, em espírito e verdade, em qualquer lugar, espaço e condição (Jo 4,21-24). Este ano, as missas de finados não serão celebradas nos cemitérios. Serão celebradas nas paróquias, nos horários definidos por cada paróquia. Apesar de tudo isto, mesmo assim, diante das lágrimas, em tantos olhos, não poderemos nos manter indiferentes. São Paulo pede que nos alegremos com quem se alegra e choremos com quem chora (Rm 12,15). As duas atitudes se fazem necessárias, todos os dias, mas particularmente, neste Dia de Finados.
Gosto muito destas três frases: “Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é realidade mais universal do que a vida, pois, todos morrem, mas nem todos sabem viver, porque incapazes de reinventar a vida no seu quotidiano. Por isso, viver é uma arte. É necessário reinventar a vida no dia-a-dia, carregá-la de sentido”. “A morte, menos temida, dá mais vida”. (Pe. Adroaldo Palaoro sj). “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter). Não deixemos perder, em nós, o sentido da vida e da morte.
Mas quais são as lágrimas que podemos enxugar de nossos rostos? Muitas, certamente. Ressignificar a saudade e o sentido da vida e da morte. Revalorizar mais as amizades, as nossas raízes e os nossos troncos familiares. Reformatar e remoldurar as redes dos nossos afetos e de nossas esperanças. Recuperar os tecidos mortos das relações interpessoais. Sonhar com a sinodalidade (caminhar juntos) e com a fraternidade (Fratelli Tutti), a partir da família, para a amizade social. Cuidar mais da vida, desde a sua concepção, até a morte natural. Transformar o lar em templo, a mesa em altar, a conversa em Palavra, o pão em alimento espiritual, a água em purificação e a família em igreja. O Verbo se fez carne em uma casa, a casa de Nazaré (Lc 1,26-38). A última ceia foi celebrada no andar superior de uma casa, numa sala arrumada e preparada (Mc 14,15). A descida do Espírito Santo aconteceu em uma casa (At 2,1ss). Dois dos mais belos cânticos do Novo Testamento, o Magnificat o Benedictus, foram pronunciados, pela primeira vez, em uma casa, a casa de Zacarias e de Isabel (Lc 1,46-55; 68-79). As primeiras comunidades cristãs se reuniam nas casas, na comunhão fraterna, para a fração do pão e as orações (At 2, 4ss; 4,32ss). Ali a fé era vivenciada, amadurecida, sedimentada, celebrada e praticada.
E, por fim, qual é então a minha recomendação final? Abra a porta de casa, vá ao quintal, ao jardim ou ao pomar e ali plante, ao menos, uma árvore, em memória de seus entes queridos falecidos, conforme nos orienta a CNBB. Este gesto, muito simples, além de se evitar aglomerações nos cemitérios, se liga à triste destruição ecológica, ocorrida em todas as partes deste imenso Brasil. Tenho certeza de que, se assim procedermos, muitas lágrimas serão enxugadas. E muitas vidas serão salvas. Eu já separei as minhas mudas e já preparei as covas… Porque “esta é a vontade do Pai: que toda pessoa que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40).
A vida corre sérios riscos. Não tenhamos mais medo da morte e nem da vida. Tenhamos reverência. Não morramos de medo. Morramos de vida, como fez Jesus. Ele morreu de vida. Abramos mais as portas e as janelas da vida e da alma. Cuidemos mais da vida de todos os seres humanos e de todas as outras criaturas. Alimentemos mais nossas almas com a mística dos bens divinos e celestiais. Tenhamos mais olhares amorosos, cuidadosos e esperançosos para com este mundo adoecido, enfermo e convalescente. Plantemos mais sementes de vidas e árvores de esperanças. Criemos mais, entre nós, empatias, harmonia e apreços mútuos. Firmemos mais, entre nós, compromissos ecológicos. Tracemos mais, entre nós, laços de fraternidades. Amemos mais a Deus e ao próximo. Creiamos mais na ressurreição da carne e na vida eterna. E sejamos todos mais “fratelli tutti”. Agindo assim, não existirão lágrimas que não sejam enxugadas.