Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)
“Feliz quem teme o Senhor e segue seus caminhos. Viverás do trabalho de tuas mãos, viverás feliz e satisfeito. Tua esposa será como uma vinha fecunda no interior de tua casa; teus filhos, como brotos de oliveira ao redor de tua mesa. Assim será abençoado o homem que teme o Senhor. De Sião o Senhor te abençoe! Possas ver Jerusalém feliz todos os dias de tua vida. E vejas os filhos de teus filhos. Paz sobre Israel!” (Sl 127,1-6) Quantas vezes este salmo tem sido cantado e rezado nas celebrações do matrimônio, expressando um belo projeto de vida, com os sonhos necessários a todos os que se põem em marcha em vista do futuro planejado. Entretanto, o salmo anterior dizia assim: “Se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros. Se não é o Senhor que guarda a cidade, em vão vigia a sentinela. E inútil madrugar, deitar-se tarde, comendo um pão ganho com suor; a quem o ama ele o concede enquanto dorme. (Cf. Sl 126,1-5). Efetivamente, são dois salmos que se complementam e ajudam a entender o empenho humano na construção da família e da vida na terra, aliado à confiança absoluta em Deus, que cuida de tudo. “De fato, que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida? Ou que poderá alguém dar em troca da própria vida?” (Mt 16,26)
É claro que o trato com os bens da terra traz consigo muitos riscos, e a ganância muitas vezes encontrada nos corações e na prática das pessoas pode atrapalhar os sonhos e, mais ainda, o projeto de Deus, que inclui todas as pessoas, não nos permitindo deixar de lado ou de fora quem quer que seja (Cf. Lc 12,13-21). A Palavra de Deus nos indica, com a linguagem forte do Livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades, vaidade das vaidades, tudo é vaidade! Que proveito tira o ser humano de todo o trabalho com o qual se afadiga debaixo do sol? Pois aquele que trabalha com sabedoria, competência e diligência, deverá entregar a sua parte a outro que em nada colaborou e isso, pelo visto, é vaidade e um grande mal” (Cf. Ecl 1,2.2,21-22). Para superar a tendência ao pessimismo, a conclusão do livro é assim: “Fim do discurso, ouvidas todas as coisas: teme a Deus e observa seus mandamentos, eis o que compete a cada ser humano” (Ecl 12,13).
O justo equilíbrio entre a ocupação com o trabalho, os bens, a casa e tudo o mais, deve ter como ponto de partida a única coisa necessária, como teve que aprender Marta, irmã de Maria e Lázaro: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 12,41-42). A meta principal, o eixo fundamental da existência, deve ser a escolha de Deus como tudo da vida. Há que se converter ao seguimento de Jesus Cristo: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação! A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,33-34).
Tendo feito a opção fundamental, cabe-nos lutar no dia a dia por aquilo que é necessário à subsistência humana e ao bem de cada família, trabalhando para que a inalienável dignidade de cada pessoa seja valorizada e respeitada. Cabe-nos estabelecer uma ordem de valores com os quais deveremos ocupar-nos. O valor das pessoas na família é maior do que a casa ou seus pertences ou, quem sabe, um eventual carro novo. Passa na frente o estudo dos filhos do que dar-lhes presentes caríssimos! Passa na frente a vida das pessoas e o interesse pelo bem e assistência aos familiares. Ninguém poderá, em sã consciência, abandonar os próprios pais aos quais se deve retribuir por todo o bem recebido, começando pela vida!
Consideramos importante sugerir a supressão de uma expressão corrente, que acaba envenenando as escolhas de pessoas, o “sonho de consumo”. Ainda que as técnicas de propaganda e venda de produtos estejam tão apuradas, sabemos que o excesso e o desregramento nas compras tem estragado não poucas vidas, quando não se estabelece um autocontrole nas visitas aos centros de compras, cuja pressão se faz tão significativa.
Outro passo, consequência do que refletimos até agora, pode ser a ideia do bem comum, um dos princípios da Doutrina Social da Igreja. Buscar o que faz bem a todos pode e deve orientar as nossas decisões quanto à aquisição e uso dos bens, assim como, e vale para o período eleitoral no qual estamos atualmente mergulhados, identificar as pessoas que se apresentam como candidatas, perguntando-nos se realmente têm um histórico de serviço desinteressado.
O espírito e a prática da solidariedade contribuirão certamente para que não sejamos surpreendidos como a figura da parábola contada por Jesus: “Deus lhe diz: ‘Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?’ Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus” (Lc 12,20-21). Outra parábola é a do Rico Epulão e Lázaro (Lc 16,19-31). Olhar ao nosso redor suscitará atitudes de serviço e caridade que poderão adquirir valor de eternidade. O cristão deverá fazer este exercício, a saber, conferir em torno de si o bem que pode ser feito, segundo as capacidades e as condições, também materiais, de cada um.
Os bens eventualmente adquiridos deverão passar por alguns critérios. Esta reflexão pode transformar-se num exercício muito fecundo, quando verificarmos em nossas gavetas e armários o que é supérfluo e pode ser partilhado com quem mais sofre. É bem conhecida a expressão que reza: “Ninguém é tão pobre que não tenha nada a ofertar. Ninguém é tão rico que não tenha nada a receber”. Muitas coisas guardadas em gavetas podem servir a outras pessoas!
O compromisso com organizações religiosas a civis que tomam iniciativas de solidariedade e caridade encontrará lugar no coração e nas mãos abertas de cada cristão. Aliás, renovamos o apelo a que cada cristão ou cristã descubra um gesto concreto a ser feito semanalmente por alguma pessoa necessitada ou trabalhos de evangelização e de promoção humana. E há um grupo especial em nossas comunidades e paróquias, ao qual cabe uma grande contribuição numa corajosa mudança de mentalidade. É a Cáritas, cuja implantação vai acontecendo pouco a pouco na Arquidiocese Belém, pois é necessário instalá-la em todas as Paróquias.
Enfim, o ideal na Comunhão de bens, descrito nos Atos dos Apóstolos: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (Cf. At 2,42-47). Ainda que tantas vezes tratando os bens da terra, só haverá mudança profunda no mundo quando formos atentos ao apelo de São Paulo: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, vossa vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados com ele, cheios de glória” (Cl 3,1-4).