Consta na história do futebol o caso pitoresco do treinador que, ao sentir que seu time iria perder de goleada, gritava aos jogadores “arrecua os arfe pra evitar a catastre!” (recuar o meio-de-campo para evitar a catástrofe). É isso que está acontecendo no debate ideológico entre os Movimentos Sociais que compõem o Fórum Social Mundial e os global players do capitalismo reunidos em Davos. Ao perceberem que sua afirmação de que “não há alternativa ao mercado” já foi desmentida pela afirmação de “um outro mundo possível”, os detentores do capital procuram a todo custo esvaziar o debate.

O argumento apela para o senso-comum e se difunde pela grande mídia: o FSM seria um desperdício de tempo e de dinheiro, porque fica só na conversa, sem tomar qualquer medida de ordem prática. De fato, é isso mesmo: o Fórum – como o próprio nome indica – é um enorme aparelho de conversa entre pessoas, grupos, movimentos e instituições que rejeitam a ordem mundial fundada nas leis do mercado e buscam uma ordem mundial fundada na solidariedade humana e na harmonia ecológica. E por que, então, não seria importante essa conversa? Se é conversando que a gente se entende, o entendimento mundial deve, sim, passar por muita conversa. A verdadeira questão está não na quantidade de tempo tomado pela conversa, mas na sua qualidade. Desperdício é a fala autolaudatória de quem vem exibir seus sucessos em busca do aplauso, bem como o seu contrário – a fala autocomplacente que reclama das desgraças que afligem os pobres do mundo e justifica sua impotência.

A conversa que partilha criticamente as experiências não é somente necessária, mas urgente. O FSM deu um grande primeiro passo para a construção de uma nova ordem mundial, ao proclamar, com credibilidade, que ela é possível. Foi então quebrada a hegemonia do pensamento único que desde o fim da guerra fria dominava o campo ideológico mundial. Trata-se, agora, de saber em que bases essa nova ordem poderá ser construída. Isso requer uma rigorosa avaliação do que já existe, para se distinguir o que pode ser adaptado e multiplicado em escala planetária, daquilo que é bom para um grupo específico mas não se aplica a outros. “Agir localmente, pensar globalmente” é hoje mais importante do que nunca. Mas como pensar globalmente, se não houver parâmetros globais? Estabelecer parâmetros globais de pensamento, em outras palavras, um novo paradigma para a ação, é um passo tão importante quanto foi o desmonte do pensamento único. A isso se opõem os detentores do capital mundial: que os povos do mundo desenvolvam um paradigma capaz de substituir aquele produzido pelos intelectuais e mantém seu serviço que se difunde pela mídia.

Retornando à metáfora do futebol, vemos hoje as forças do capitalismo jogando na retranca para garantir o empate. É hora, pois, de as forças populares e as organizações que também desejam um mundo de justiça, paz e harmonia com a comunidade de vida da Terra, tomarmos a iniciativa no jogo. Isso significa avançar na abertura ao diálogo, sem medo de rever nossas posições nem fazer cerimônia na hora de criticar os erros cometidos, pois só assim criaremos um paradigma de pensamento capaz de assumir a nova consciência planetária e, a partir dela, unir pensamento crítico e prática transformadora, ciência e arte, mística e política, ética e economia, humanidade e natureza. O FSM, que hoje se inicia, é um espaço privilegiado para esse diálogo planetário, principalmente neste momento em que a crise debilitou a ideologia capitalista.

Belém do Pará, 27 de janeiro de 2009

Pedro A. Ribeiro de Oliveira

Professor da PUC-Minas e membro de ISER-Assessoria

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