Dom Francisco Biasim
Bispo de Barra do Pirai- Volta Redonda (RJ)
Dias passados, ouvi um amigo dizer: “Qualquer que seja o resultado das eleições, o estrago já está feito!” Não entendi logo todo o alcance dessa frase, mas ao longo dos dias, vez ou outra, ela vinha a tona e aos poucos foram-se delineando na minha reflexão pessoal alguns contornos mais definidos.
Nestes últimos meses um terremoto abalou a vida social e política do nosso país e, como num terremoto cai tudo e se perdem os pontos de referência de uma cidade, assim no Brasil desmoronaram valores que pareciam fazer parte da vida e da cultura do seu povo. Uma onda de ódio tomou conta do país! Na própria família há divisões e ofensas. Ameaças explícitas provocam medo e suspeita nos relacionamentos interpessoais e a boçalidade se tornou normal na fala entre as pessoas e no seu estilo de vida!
Até lideres religiosos cristãos perderam a postura e confundiram os membros de todas as igrejas. Muitos fiéis não se sentiram representados por eles que manifestaram o seu apoio direto ou indireto a candidatos contrários aos valores evangélicos da paz, da mansidão, da defesa da vida a partir da concepção até a morte natural, rejeitando os pobres e todas as pessoas discriminadas da sociedade! Violência, armas, abate e eliminação de pessoas, desprezo dos direitos das minorias, justificadas invocando o nome de Deus e o amor à Pátria, foram a salsa picante que alimentou os noticiários e as redes sociais de milhões de brasileiros. Por outro lado, ao apoiarem tais candidatos, esses líderes motivaram parte do seu rebanho a dar vazão aos mais baixos e brutais instintos aninhados no coração, detonando assim uma espécie de insanidade coletiva.
Essa campanha eleitoral foi marcada pelo “contra” e isso levou a polarizações irredutíveis, a blocos ideológicos prisioneiros de suas próprias convicções e posicionamentos, sem nenhuma capacidade de diálogo. Aliás se fugiu de debates e diálogos para evitar de colocar a público programas de governo. Sim, infelizmente o estrago já está feito!
Nesse redemoinho de pensamentos, magoado por ofensas recebidas por parte de irmãos da própria Igreja, lembrei-me espontaneamente da história do Povo de Deus. Quando tudo acabava através de destruições, extermínios, devastações, exílios e deportações, o que é que os profetas lembravam” O início, o princípio, o primeiro amor! Davam um pulo nas origens, lá onde Deus se mostrou Criador livre e soberano, resgatador da vida, iniciador de uma nova ordem, “Vingador” dos órfãos e das viúvas, Aliado do povo e fiel mantenedor da Promessa! E começava tudo de novo. Um novo início através de um pequeno resto: os pobres de Javé.
Então pensei: mesmo fazendo campanha e votando “contra”, é preciso jamais perder de vista do que somos a favor. Ou as almas se envenenam. E qualquer que seja o resultado das eleições, é preciso tecer um projeto de futuro onde possamos viver tanto no plano pessoal como no coletivo. “Não dá para viver vendo pela frente apenas horror ou vazio. Tem que sonhar fazendo. Sonhar com um país, sonhar com uma vida. É pelo desejo que nos humanizamos. Resistir nas próximas semanas é principalmente desejar uma vida viva ” vivendo uma vida viva. Se conseguirmos, voltaremos a ganhar mesmo antes de ganhar.” (Eliane Brum: Como resistir em tempos brutos em El País 09-10-2018)
Como cidadãos cristãos não podemos perder a memória, devemos voltar ao início, ao Primeiro Amor. Assim o início será inspirador do futuro e o futuro manterá vivo o sonho que aos poucos irá transformar o presente! E se tiver que haver resistência, que seja na alegria, na justiça do Reino e no amor!