Ecoar em Brasília clamores populares

Dom Reginaldo Andrietta
Bispo de Jales

 

A novas formas de escravidão preocupam os que defendem a dignidade humana, a exemplo da Diocese de Jales que, no próximo dia 20 de agosto, em sua 33ª. Romaria, sob o lema “Com Maria nos libertamos de novas escravidões”, comemorará sua padroeira, Nossa Senhora da Assunção, com clamores populares. Cerca de 15 mil romeiros de toda a Diocese manifestarão seus clamores a Deus e à sociedade, comprometendo-se a agir em prol de um Brasil sem injustiças e explorações.

Nós, Bispos de Pastorais Sociais, reunidos em Brasília no início deste mês, emitimos uma mensagem pública, referindo-nos, também, aos clamores atuais de nosso povo: “Clamam aos céus, hoje, as muitas situações angustiantes do Brasil, entre as quais o desemprego colossal, o rompimento da ordem democrática e o desmonte da legislação trabalhista e social. O governo, em lugar de fortalecer o papel do Estado para atender as necessidades e os direitos dos mais fragilizados, favorece os interesses do grande capital, sobretudo financeiro especulativo, penalizando os mais pobres, por exemplo com a reforma da previdência, falsamente justificada”.

Por ocasião do Fórum Nacional das Pastorais Sociais, realizado também em Brasília no início deste mês, intercambiei análises com lideranças de setores populares do Distrito Federal a respeito do papel dos brasilienses na vida política do país. Em razão da grande extensão do Brasil, cidadãos de muitos rincões têm dificuldades de se fazerem presentes na sede do governo federal para manifestar suas reivindicações e contrabalancear o trânsito fácil da elite econômica nos corredores palacianos. Isso desafia, especialmente os brasilienses a contribuírem para ecoar os clamores populares de todo o país, diante dos poderes da República, instalados no Distrito onde residem.

A capital federal foi transferida do Rio de Janeiro em 1960, com a finalidade de distanciar a sede de decisões políticas dos grandes centros de mobilização e manifestação popular. Brasília não foi, necessariamente, projetada para integrar o território nacional, senão para ser um polo de poder menos controlado pelas massas populares das grandes concentrações urbanas. Essa cidade é exemplo do elitismo político que aposta no desenvolvimentismo moderno. A modernização é, aliás, um argumento permanentemente utilizado pelo governo federal para os muitos projetos que favorecem investimentos do capital internacional, contrários aos interesses coletivos nacionais.

Juscelino Kubitschek, presidente da República entre 1956 e 1961, projetou Brasília sob a lógica de seu lema, “50 anos em cinco”, ou seja, desenvolver rapidamente o Brasil, subjugando-o aos interesses de empresas multinacionais. Para atrair investimentos, isentou-as de impostos por longos anos e deu-lhes o direito de expatriar lucros. Entende-se, então, porque elas concederam empréstimos para construir Brasília: conseguiriam mais tarde um grandiosíssimo retorno financeiro.

Elas exigiram, no entanto, mudanças nas leis trabalhistas para obterem lucros ainda maiores, e impuseram repressão às lutas por reformas de base, exigidas pelos movimentos sociais. Por isso, bancaram a longa ditadura militar, instaurada pelo golpe de 1964. A instalação da capital em um grande vácuo populacional, no centro do país, fez parte dessa lógica golpista que se perpetua.

As grandes distâncias até a capital federal, desafiam, portanto, os setores e organizações populares, sobretudo brasilienses, a entenderem e assumirem a responsabilidade de ajudar a ecoar os clamores populares de todo o país na capital federal. Estariam os brasilienses, como tantos outros cidadãos deste país, dispostos à missão de transformar essa cidade, comparada à “Jerusalém que mata os profetas”, conforme o Evangelho de Lucas 13,34, na “Nova Jerusalém”, apresentada no livro do Apocalipse 21 como sede de um Estado verdadeiramente justo?

 

 

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