Dom Geraldo dos Reis Maia
Bispo de Araçuaí (MG)

 

Laudato si’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor”. Assim, São Francisco de Assis iniciava seu inspirado Hino às criaturas. E foi assim que o Papa Francisco quis iniciar sua encíclica sobre a nossa “Casa Comum”, lançada há 10 anos, no dia 24 de maio de 2015. Como é costume no Vaticano, as primeiras palavras do documento é que lhe dão o título, no idioma original. Por “casa comum”, o Papa Francisco entende bem mais que a questão ambiental, como compreendemos melhor ao ler o texto. 

A irmã terra “clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos pensando que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la” (LS, 2). É assim que o Papa Francisco inicia sua profética encíclica social, na esteira de outros importantes documentos da Igreja que trataram de questões específicas relacionadas à realidade social.  

Laudato Sì foi desenvolvida com um método bastante conhecido nosso, chamado “ver-julgar-agir”. Num primeiro momento, se verifica a realidade como discípulos-missionários que desejam perscrutar os sinais dos tempos, servindo-se dos instrumentais das ciências e das tecnologias. A seguir, se contempla toda a realidade à luz da fé, da revelação e do magistério da Igreja. Daí, num terceiro momento, se busca luzes para a ação, na forma de pistas para o agir pastoral. A Igreja no Brasil e na América Latina, em geral, vem se servindo deste método há décadas, colhendo variados frutos. 

Logo na sua Introdução, Francisco apresenta eixos que perpassam toda a encíclica (LS, 16): “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta de um novo estilo de vida”. 

A encíclica divide-se em seis capítulos. O primeiro capítulo, intitulado “O que está acontecendo com a nossa casa”, apresenta o “momento ver”. Trata-se de uma profunda análise da situação ambiental, humana, ética e social. O segundo capítulo, intitulado “O Evangelho da criação”, nos faz lançar um olhar de contemplação sobre a Palavra de Deus, procurando discernir qual é o projeto de Deus para sua criação. Trata-se do “momento julgar”. O terceiro capítulo, cujo título é “A raiz humana da crise ecológica”, apresenta novos cenários da realidade moderna e seus desafios diante do projeto de Deus. O quarto capítulo, intitulado “uma ecologia integral”, nos faz avançar para soluções diante da profunda crise ecológica. O quinto capítulo apresenta “algumas linhas de orientação e ação”. É o “momento agir”. O último capítulo, “Educação e espiritualidade ecológicas”, continua a apresentar o “momento agir”, entre ação e contemplação, culminando como “momento celebrativo”. 

A palavra profética de Francisco vem ao encontro da dura realidade ecológica e social que vivemos, imersos numa profunda crise ética e humana. Percebemos que os valores básicos da humanidade estão sendo perdidos, em nome de uma visão antiética que privilegia a corrupção, a exploração do outro e da natureza, a ganância e o lucro fácil. O ser humano parece ter se tornado “lobo para o próprio homem”, além de degradar a “casa comum”, sem nenhum pudor nem escrúpulos. Francisco toca questões nevrálgicas: poluição e mudanças climáticas, a água, a perda da biodiversidade, a deterioração da qualidade de vida humana e degradação social, a desigualdade planetária, a fraqueza das reações e a diversidade de opiniões. Francisco fala de “sintomas de um ponto de ruptura, por causa da alta velocidade das mudanças e da degradação, que se manifestam tanto em catástrofes naturais regionais como em crises sociais ou mesmo financeiras” (LS, 61). 

Francisco elabora uma belíssima teologia da criação, ainda que não o pretenda, analisando passagens bíblicas para iluminar a realidade da “casa comum”, que vem se tornando desastrosa. O Papa adverte que, “embora esta encíclica se abra a um diálogo com todos para, juntos, buscarmos caminhos de libertação, quero mostrar desde o início como as convicções da fé oferecem aos cristãos – e, em parte, também a outros crentes – motivações altas para cuidar da natureza e dos irmãos e irmãs mais frágeis” (LS, 64). 

Francisco apresenta o diálogo como palavra-chave para a ação. Ele alerta a humanidade para intensificar o diálogo sobre o meio ambiente na política internacional. Aborda, também, a necessidade do diálogo para novas políticas nacionais e locais. Não menos importante é o diálogo e a transparência nos processos decisórios, assim como a abertura ao diálogo entre a política e a economia, para a plenitude humana. Aborda, também, a importância do diálogo entre as religiões e as ciências. Tratando de educação e espiritualidade ecológicas, o Papa nos fala em apontar para outro estilo de vida. Para isso, é preciso educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente. Talvez o que tenha causado mais impacto na encíclica foi o chamado do Papa a uma “conversão ecológica”, que atinge a todos os seres humanos, no sentido de mudar hábitos pequenos e corriqueiros para cuidar melhor da nossa “casa comum”. 

No final da encíclica, Francisco lança um olhar de esperança, à luz da fé, ao futuro, quando nos encontraremos “face a face com a beleza infinita de Deus (cf. 1Cor 13,12) e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim. Caminhamos para o sábado da eternidade, para a nova Jerusalém, para a casa comum do céu. Diz-nos Jesus: ‘Eu renovo todas as coisas’ (Ap 21,5). A vida eterna será uma maravilha compartilhada, onde cada criatura, esplendorosamente transformada, ocupará o seu lugar e terá algo para oferecer aos pobres definitivamente libertados” (LS, 243). 

Por fim, o Papa Francisco propõe duas orações, uma a ser partilhada por todos os que creem em Deus Criador Onipotente, outra específica para os cristãos. Nesta última, após invocar cada Pessoa da Trindade e dirigir-se ao Deus Uno e Trino, o Papa conclui com estas palavras. “Os pobres e a terra estão bradando: Senhor, tomai-nos sob o vosso poder e a vossa luz, para proteger cada vida, para preparar um futuro melhor, para que venha o vosso Reino de justiça, paz, amor e beleza. Louvado sejas! Amém” (LS, 246). 

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