Ecologista brasileira diz que “Igreja quer encontrar caminhos para atuação na Amazônia”

Em entrevista ao vivo pelo Facebook, a ecologista brasileira Ima Célia Guimarães Vieira disse que o convite do papa Francisco para que ela participasse do Sínodo para a Região Pan-amazônica, evento eclesial que acontece no Vaticano até o dia 27 de outubro, muito a honrou. Especialista em ecologia e membro da Comissão Nacional para o Meio Ambiente (Conama), Ima afirmou que o Sínodo faz um apelo para que se olhe para a Amazônia, pelo seu território e povo. “É uma região que tem sofrido muita alteração pelo ponto de vista socioambiental e que requer muito cuidado para que não se transforme de forma irreversível com relação a sua cultura, a cultura de seu povo, a questão da sua biodiversidade e sociodiversidade”, diz.

Na live do Facebook, divulgada nas redes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a ecologista afirmou que a Igreja está querendo encontrar caminhos para a sua atuação na Amazônia, caminhos esses que colaborem com a sua visão plural, engajada, exclusiva.

Confira a entrevista na íntegra:

Para você, o que significa situação irreversível?

É uma situação irreversível de perda, em primeiro lugar nos extremos de povos. Nós temos povos indígenas ameaçados de completa destruição, de completo desaparecimento e a Igreja está olhando no seu Instrumentum Laboris por esses povos. No outro extremo tem as populações que vivem nas cidades, nas periferias, que são migrantes e querem ser vistas como cidadãos, como pessoas que tem direito a uma vida digna, então esses são os dois extremos que a Igreja em todo o Documento Laboris está trabalhando e é muito complexo, porque nós temos várias Amazônias: Amazônias rurais, Amazônias urbanas. É uma região muito grande e quando se fala de Pan-Amazônia é maior ainda.

A senhora já falou para os senhores bispos, para os padres sinodais desse contexto?

Os peritos não falam muito, eles mais ouvem. Nos foi recomendado que fiquemos na escuta e que anotemos todas as contribuições e aquelas que são de maior impacto, que são convergentes entre si, então nós escutamos muito, mas de qualquer maneira eu tenho na medida do possível falado nos círculos menores, onde nós estamos agora discutindo esses temas. Discutindo toda essa complexidade da Amazônia e apontando para que as sinergias das proposições sejam colocados nos eixos principais que estão sendo abordados aqui, que estão sendo definidos na verdade.

De que proposições nós falamos então?

Hoje, por exemplo, se discutiu muito a questão da vocação que não é a minha especialidade, eu não sou teóloga, sou ecóloga, mas quando se pensa em vocação tem que se pensar no tema da ecologia integral que é um tema do Sínodo, então o desafio é colocar as questões eclesiais, as questões mais ligadas à Igreja dentro da temática da ecologia integral, esse é um grande desafio que nós peritos estamos tentando ajudar, a integração dos temas menores nesses temas maiores da Igreja e da questão da ecologia integral.

Como que a gente pode traduzir essa terminologia ‘ecologia integral’?

O Papa Francisco está muito além de seu tempo, do nosso tempo aqui contemporâneo. Ele tem uma visão muito interessante sobre a ecologia e propõe a ecologia integral desde a Laudato Si’ que é muito mais do que os pesquisadores, os cientistas trabalham. Eu como ecóloga trabalho a questão da ecologia vegetal, da interação com as comunidades, dos sistemas socioambientais, mas o Papa Francisco vai além, ele tenta integrar na sua proposição a ecologia mais formal, a ecologia que nós fazemos ligadas à questão do meio-ambiente com a questão da justiça social, então ele é muito feliz nisso porque é o que realmente importa. É importante que cada cientista estude o seu tema de trabalho, que se una em torno dos temas coletivos, mas o papa Francisco vai além e coloca a questão da justiça social como prioridade.

Como é que a gente faz para conjugar fé e razão/ fé e ciência?

Bom, historicamente tem sido separado, mas acho que esse Sínodo vem mostrando que a Igreja quer ouvir os cientistas, nós cientistas estamos aqui para ajudar, assessorar à Igreja, principalmente os peritos, naquilo que compete da sua especialidade, seja ele ecólogo, seja ele sociólogo ou outra especialidade, mas eu estou plenamente convicta de que nós podemos sim conciliar o que a ciência vem falando principalmente com relação à Amazônia. É importante notar que o Papa, a Igreja, acredita nas mudanças climáticas, acredita que a Amazônia está sendo transformada, principalmente que essas transformações são feitas pelo homem e que a criação está ameaçada, então quando a Igreja nota que a criação está sendo ameaçada pelo homem, ela começa a agir e parece que a agir mais rápido, embora a sua estrutura seja “paquidérmica” ela está tentando agir de uma forma mais acelerada e se juntar aos cientistas, aos ambientalistas, aos jovens, às mulheres para lutar contra a destruição não só da Amazônia, mas do planeta nessas transformações e destruição da terra que está sendo feita muita rápida, está acontecendo de forma muito rápida nos últimos quarenta anos.

A presença dos peritos nesse sínodo dedicado aos bispos significa o quê nesse diálogo que é praticamente intermitente?

Os peritos eles têm um papel muito importante e por isso eu aceitei esse desafio de em primeiro lugar esclarecer conceitos, tem muitos conceitos científicos no Instrumentum Laboris e eu acho que esses esclarecimentos, o norteamento de como a ciência está trabalhando a questão dessas mudanças climáticas, dessas transformações socioambientais na Amazônia, a questão das populações indígenas, da população indígena que está isolada por vontade própria, o direito dessas populações. Acho que são questões importantes e que estão sendo abordadas pelos peritos juntamente com os bispos.

A nossa biodiversidade está em perigo?

A nossa biodiversidade e a nossa sociodiversidade estão em perigo. Eu diria que nós hoje conhecemos sobre a biodiversidade da Amazônia muito pouco. Por exemplo, a minha instituição é responsável pelo conhecimento, pela catalogação da biodiversidade na Amazônia, é uma das instituições, e nossos cientistas tem catalogado várias espécies novas para a ciência nos últimos anos e algumas delas, para se ter ideia, já sofrem com ameaça de extinção. É muito rápida essa ameaça, essas transformações e o nosso conhecimento é mais lento, não tem acompanhado a intensidade da destruição. Com relação a sociodiversidade, a população indígena está sim ameaçada, ameaçados seus territórios mesmo que tenham direito sobre eles. As ameaças vem das atividades humanas predatórias que estão avançando para o coração da floresta, como dizia a doutora Bertha Bercker, grande geógrafa que nos deixou em 2013. Em sua proposta para a Amazônia de uma revolução, a partir da biodiversidade, ela nos apontava que a região do coração da floresta que é essa para onde a fronteira está indo, está chegando, devia ser preservada, conservada e a gente trabalhasse mais nas áreas que estão alteradas, buscando alternativas para usos sustentáveis da terra e novas propostas de sustentabilidade de uso da terra.

Uma leiga, uma cientista que participa de um Sínodo. Que fotografia a senhora pode fazer para a gente? O que está acontecendo ali? Tem todo esse mistério, essa áurea? Como é que se vive um sínodo?

Em primeiro lugar, é uma emoção muito grande. Para mim que sou da Amazônia, trabalho na Amazônia, estudo a Amazônia, estar num Sínodo que está discutindo o caminho da Igreja e para uma ecologia integral é muito importante, muito emocionante. Em segundo lugar, pela primeira vez eu participo de uma reunião que tem tantos religiosos. O meu dia a dia é com cientistas, é com alunos de pós-graduação, é com colegas ecólogos, botânicos, antropólogos e estou num momento muito diferente da minha vida, talvez o mais diferente de todos que é estar no meio de religiosos tentando compreender o que é o Sínodo, tentando ajudar para a formulação do documento final do Sínodo, então existe um debate assim como nos grupos dos cientistas, de pessoas contra e a favor sobre determinados temas.

Eu diria que a metodologia que os religiosos usam é muito interessante porque a cada quatro proposições ou manifestações se faz um silêncio de meditação para escutar a  Deus e também para escutar o próximo, de meditar, de refletir sobre o que o outro disse, muitas vezes isso não acontece entre os cientistas que ficam debatendo muito tempo e se contradizendo, então eu aprendi muito sobre essa questão de meditar, de refletir e olhar o outro. Em terceiro lugar é a questão dos caminhos, eu trago e levo para Belém, onde moro, que é sempre importante buscar novos caminhos, mas também refletir sobre os caminhos da história, então a Igreja hoje reflete sobre o seu caminho historicamente, ela propõe novos caminhos, ela propõe caminhar junto e faz também para aquilo que ela não domina, que é novo para a Igreja, ela faz a proposta de caminhar devagar, refletir, colocar como ponto para reflexão para depois vir a mudança, então é uma metodologia bem interessante. E eu estou muito satisfeita e feliz de estar aqui todos esses dias.

O que você vai levar na bagagem daqui para Belém?

Em primeiro lugar muito papel. O perito ele tem que analisar todas as falas, todas as proposições, então é nos entregue um pouco antes de cada manifestação dos bispos a documentação, então imaginem vinte dias com documentação. Em segundo lugar eu levo toda essa energia daqui do Vaticano, é uma energia muito positiva, o diálogo, a abertura para se ouvir o outro, para se ouvir outras religiões, que aqui no caso foi muito importante as manifestações dos outros religiosos, de outras igrejas, de ouvir os cientistas, então eu levo momentos muito importantes. É importante continuar esse diálogo a partir da Amazônia em um outro momento, pois agora estou fora e levo para a Amazônia. Quando eu voltar estarei na Amazônia dialogando para cá.

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