Cardeal Orani João Tempesta
Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ) 

Estamos iniciando o mês de setembro, mês em que dedicaremos em toda a Igreja uma atenção especial à Palavra de Deus que se encontra presente nas Escrituras. A motivação cronológica vem pelo dia de São Jerônimo, que comemoramos no dia 30 de setembro. São Jerônimo é doutor da Igreja e conhecido pela tradução que fez da Sagrada Escritura para o latim a partir dos originais, versão chamada de Vulgata e pelos inúmeros comentários que fez aos livros sagrados, tendo sua vida dedicada ao conhecimento e à reflexão sobre a Bíblia. Desde o ano de 1971 que a CNBB propõe um tema e um lema para animar este mês dedicado à reflexão sobre a Bíblia, que neste ano é: “Para que N´Ele nossos povos tenham vida”, um tema que se repete nestes últimos anos ligado à V Conferência do Episcopado latino Americano. A cada ano é também recomendado um livro em específico para que aprofundemos seu conhecimento exegético e conteúdo espiritual. Neste ano aprofundaremos a 1ª Carta de João e o lema vem exatamente ligado à esta carta: Nós amamos porque Ele primeiro nos amou (1 Jo 4, 19).

Desta forma vamos vivenciando de maneira mais adequada este tempo importante da nossa caminhada, onde juntamente com a Liturgia da Igreja, os meses temáticos nos ajudam em nossas pequenas comunidades, círculos bíblicos, demais grupos e em nossa formação cristã a aprofundar os mistérios da fé.

Também no mês de setembro, dos dias 5 ao 8, o 4º Congresso Vocacional do Brasil, que será realizado no santuário Nacional de Aparecida, tendo como tema Vocação e Discernimento e como lema: Mostra-me, Senhor, os teus caminhos (Sal 25,4). Somos chamados a intensificar nosso discernimento vocacional e sustentar todos os nosso vocacionados com o devido cuidado material e espiritual, levando em conta o tema da vocação no geral, enquanto realidade pertencente a todo o cristão, e identificar a que somos chamados e a quais lugares o Senhor nos chama. Peçamos ao Senhor de mostrar seus caminhos para nós!

Neste início do mês da Bíblia, a Palavra de Deus que vai nos ser dirigida na Liturgia deste 22ª Domingo do tempo Comum, vai nos apresentar a questão da nossa realidade, quem somos nós, a gratuidade do amor de Deus para conosco e como vivenciamos esta gratuidade, sem nos vangloriarmos de ser mais do que os outros ou ser mais do que ninguém. A Palavra nos chama a vivermos cada vez mais conscientes de nossa pequenez, de nossa fragilidade e não procurar colocar-se acima dos outros.

A leitura do Evangelho de Lucas (Lc 14, 1. 7-14), nos diz: Aconteceu que, num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles o observavam. Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares.

No contexto da refeição a que Jesus foi convidado é que Ele encontra motivo para vários ensinamentos. Jesus começa apresentando um ensinamento sobre a humildade. Observamos que alguns se aproveitavam da situação para se promover por se achar um mais importante que o outro. Infelizmente este é um gesto muito comum, que começa a ser melhor percebido quando observamos se uma pessoa se coloca a serviço dos outros ou quer servir-se dos outros. Mesmo o contexto do dia a dia, percebemos com tristeza as tantas situações aquelas situações ou aquelas pessoas que estão continuamente buscando tirar proveito do outro. São os pequenos gestos do dia a dia que demonstram nossos egoísmos, nossos vãos interesses, nossas maneiras de pensar e de ser, que demonstram como é importante a nossa vida de conversão e de busca da vontade de Deus. Jesus observa e é observado. Vendo esta questão de algumas pessoas que não se preocupavam com as outras, mas somente consigo mesmas e querendo estar acima dos outros, conta-lhes uma estória, uma parábola: ‘Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: ‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar. Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados. Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado.’

Jesus vai nos lembrar exatamente isso: que não nos vangloriemos de ser melhores do que ninguém, mas que não nos esqueçamos de que estamos a serviço, procuramos o bem do outro e nos colocamos no último lugar. No serviço do reino, nossa maior recompensa não é o olhar dos homens ou o reconhecimento dos homens, mas a graça de ser considerado digno de ser operário do Reino, simples e humildes trabalhadores na Vinha do Senhor, como nos recordou isso Bento XVI, em suas primeiras palavras logo após a sua escolha. Nessas ações identificamos as verdadeiras intenções presentes no coração das pessoas. Santa Teresa do Menino Jesus, tratando sobre esta realidade, assim dizia: “Quero sempre o último lugar, pois sei que ninguém vai brigar comigo por causa dele e alui serei tratada por aquilo que de verdade sou”.

E Jesus ainda continua: E disse também a quem o tinha convidado:

‘Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então tu serás feliz!

Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos.’

Jesus continua seus ensinamentos utilizando a imagem do banquete. Agora já não fala da postura do convidado, mas daquele que convida, mostrando assim que a humildade deve se completar com a prática da caridade. Ao fazermos qualquer ação devemos também deixar de lado todo desejo de vanglória e de recompensa humana, olhando primeiramente para Deus, de quem recebemos tudo o que temos. Assim nos recordava S. Gregório Nazianzeno: “Quem te deu as chuvas, a agricultura, os alimentos, as artes, as casas, as leis, a sociedade, uma vida grata e humana, assim como a amizade e familiaridade com aqueles com que te unes com um verdadeiro parentesco? Não é Deus, o mesmo que agora solicita sua benignidade sobre todas as coisas e no lugar de todas elas? Não deveríamos nos envergonhar de que tantos bens recebemos ou esperamos do Senhor e nem sequer lhe retribuímos com nossa generosidade? Se Ele, que é Deus e Senhor, não nega seus benefícios, quem seríamos nós de não nos colocarmos a serviço dos irmãos?”

A ação em favor do próximo deve ser reflexo da generosidade do amor de Deus para conosco. Esse é o próprio da caridade cristã. Nossa ação não deve ser uma ação baseada no interesse do retorno que ela possa ter. Não esperemos recompensa nem mesmo agradecimento. Façamos o que tiver de ser feito diante de Deus e isso nos basta. Há tantas pessoas que se colocam em “crise” pelas vezes em que não foram reconhecidas por suas ações. Nossa recompensa é Deus. São maneiras de ser e de comportar-se que devem fazer parte do cotidiano do cristão e que nos são apresentadas ao início do mês da Bíblia e já nos preparando para o congresso vocacional nacional. Cabe a cada um de nós viver nossa vocação à santidade, pedir que o Senhor nos mostre seus caminhos e que não nos vangloriemos nem nos coloquemos acima de ninguém, mas sempre numa atitude ser viço, lembrando que Cristo não veio para ser servido, mas para servir. Façamos o bem sem interesse de retribuição.

Na primeira leitura (Eclo 3, 19-21.30-31), a sabedoria contida no livro do Eclesiástico, vai lembrara exatamente os detalhes do agir cristão no meio do mundo: Filho, realiza teus trabalhos com mansidão e serás amado mais do que um homem generoso. Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios.

Temos funções, trabalhos, tarefas dentro da Igreja. Mas sabemos que todas essas ações devem ter em vista o serviço, aprender a servir, não numa atitude de superioridade a ninguém.

Pois grande é o poder do Senhor, mas ele é glorificado pelos humildes. Para o mal do orgulhoso não existe remédio, pois uma planta de pecado está enraizada nele, e ele não compreende. O homem inteligente reflete sobre as palavras dos sábios, e com ouvido atento deseja a sabedoria.

O Eclesiástico vai apresentar uma virtude que é fundamental para aquele que ama e que busca a sabedoria: a humildade para reconhecer as próprias necessidades e estar disposto a crescer em conhecimento. O contexto em que o Eclesiástico foi escrito, muitos homens de fé ficaram deslumbrados com os conhecimentos da filosofia grega e novos conhecimentos, a tal ponto de alguns abandonarem a Lei de Deus e o ensinamento tradicional de Israel para seguir aos mestres estrangeiros. O orgulho da razão, que se considerava capaz de encontrar respostas para tudo, os impedia de acolher com simplicidade as verdades que Deus tinha deixado acessível a quem o buscava sinceramente. Faz parte da tradição do Antigo Testamento e de toda a Sagrada Escritura apontar continuamente que Deus resiste aos soberbos mas dá sua graça aos humildes.

A segunda leitura, a carta aos Hebreus (Hb 12,18-19.22-24) vem apresentando os frutos de uma aproximação a Jesus: Irmãos: Vós não vos aproximastes de uma realidade palpável: ‘fogo ardente e escuridão, trevas e tempestade, som da trombeta e voz poderosa’, que os ouvintes suplicaram não continuasse. Mas vós vos aproximastes do monte Sião e da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste; da reunião festiva de milhões de anjos; da assembleia dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus; de Deus, o Juiz de todos; dos espíritos dos justos, que chegaram à perfeição; de Jesus, mediador da nova aliança.

A carta vai nos lembrar que o encontro com Deus nos leva necessariamente ao encontro com os irmãos. Qualquer que seja nossa vocação ou nossa missão nesta terra, ela deve existir para servir.

Que a partir desta palavra examinemos nossas consciências, nossos comportamentos e os pequenos gestos do dia a dia. Que o cuidado com o outro possa sempre se traduzir em gestos simples e acessíveis no dia a dia. Que tomemos também cuidado com os lugares em que nos colocamos, sem humilhar ninguém, sem querer tirar proveito de nenhuma situação. Que o contato com a Palavra de Deus favoreça nosso exame de consciência e que nossa conversão contínua nos faça cada vez mais acolhedores e dispensadores da generosidade divina.

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