Cardeal Odilo Pedro Scherer
É muito bonito pensar no duplo sentido do Advento. De um lado, é o período litúrgico que prepara as festas do Natal e faz pensar no Mistério da Encarnação do Filho de Deus em nossa natureza humana; veio até nós, solidarizou-se com cada ser humano, deu valor a todos, não esqueceu os últimos e aqueles que, a nossos olhos, parecem menos dignos da condição humana. O Filho de Deus se fez homem para revelar-nos mais claramente a paternidade de Deus e para irmanar a humanidade inteira, como família de Deus.
Ainda isso está longe de acontecer na prática, pois a humanidade ainda está fechada, em grande parte, à mensagem do Natal, ou prefere não acolhê-la em sua inteireza. Por isso, o Advento vai continuando a trazer os anúncios proféticos e convidando a acolher a voz e os caminhos de Deus, para que se torne realidade aquilo que Deus promete com sua vinda. Sim, ainda não aconteceu que as armas de guerra se transformassem em instrumentos de trabalho (cf Is 2,4), ou que lobo e cordeiro vivam juntos, sem se machucar; ou que bezerro comesse junto com o leão, sem medo de ser devorado (cf Is 11,6). Mas isso será possível, em dúvida, quando os homens aceitarem os julgamentos de Deus e se deixarem guiar por sua luz (cf Is 2,5). Ainda valem os apelos a acolher a primeira vinda do Filho de Deus e o mundo teria tudo a ganhar com isso!
Mas o Advento nos faz olhar também adiante; por isso, a Liturgia nutre em nós o ardente desejo das coisas celestes e nos prepara para irmos ao encontro do Snhor glorioso com nossas “lâmpadas acesas” (cf,. Oração do 1° Domingo do Advento). Recorda-nos que Deus já veio, continuamente vem e ainda virá… E um dia virá de maneira gloriosa, para julgar vivos e mortos, como proclama a fé da Igreja. Já esquecemos que um dia vamos morrer? E quem sabe o dia e a hora? O Advento nos adverte: pode ser a qualquer momento e ninguém vai escapar disso! Um sadio realismo, que nos faz viver alertas, não necessariamente angustiados, mas preocupados em fazer o que é justo, bom, digno, honesto e respeitoso de Deus e dos homens ao longo de toda a vida.
Já no primeiro domingo do Advento, São Paulo nos lembrava: “já é hora de acordar! A noite vai adiantada e o dia se aproxima (cf Rm 13, 11-14); por isso, deixemos de lado as obras das trevas, que são todas as obras desonestas e corruptas, e revistamo-nos de Cristo Jesus”. Sim, porque Cristo é a imagem perfeita do “homem novo”, que somos chamados a ser, a seu exemplo. O risco é passar a vida inteira “distraídos”, sem nos preocuparmos com nada e só pensando em desfrutar todo gozo que a vida é capaz de nos proporcionar. Daí o chamado à vigilância, como atitude atenta para não tomar caminhos errados na vida, ou a não tropeçar e cair; ou ainda os encorajamentos a caminhar, a não desanimar, a produzir frutos de obras boas ao longo da vida, sem se cansar.
E se tudo isso não bastasse para despertar nossa consciência sobre a seriedade da vida e da necessidade de avaliar a quantas andam as coisas, se estamos, de fato, no caminho bom, ou nos encontramos num atalho que leva para longe de Deus e da grande meta de nossa vida, a Liturgia do Advento nos fala do julgamento de Deus: o Filho de Deus, um dia, virá como Juiz e Senhor da História, revestido de poder e glória, e todos deveremos prestar contas de nossa vida. Quem se opôs a Ele conscientemente nesta vida, terá que se explicar e encontrará dificuldades para ser reconhecido por Ele na hora do julgamento (cf Prefácio do Advento 1A). A árvore que não deu fruto bom será cortada e jogada ao fogo. E, enquanto o trigo será recolhido no celeiro de Deus, o céu, a palha improdutiva será queimada (cf Mt 3,1-12). As palavras de S.João Batista, no 2º Domingo do Advento não deixam dúvidas!
Mas não entendamos mal. O Advento não é um tempo de terror; pelo contrário, é marcado pela alegre esperança e a certeza da bondade e da misericórdia de Deus: “Deus tanto amou o mundo, que lhe enviou seu Filho único, para que todo o que nele crer, não pereça, mas tenha a vida eterna!” E mais: durante esta vida, Ele nos dá muitas oportunidades para que o possamos reconhecer e acolher: “agora e em todos os tempos ele vem ao nosso encontro, presente em cada pessoa humana, para que o acolhamos na fé e o testemunhemos na caridade, enquanto esperamos a feliz realização de seu reino” (Prefácio 1A).
O Advento, portanto, não é um tempo passageiro, mas é uma proposta para ser vivida ao longo de toda a vida. De fato, ele nos fala dos grandes mistérios da existência e joga um facho de luz e esperança sobre a vida; não existimos à toa e sem ter rumo; se para alguns filósofos a vida humana é absurda, por estar cheia de sonhos impossíveis, nós percebemos que não é assim; mas não somos nós a resposta última para os nossos sonhos: é Deus que entra em nossa história e caminha conosco, apontando-nos o rumo certo. De nossa parte, cabe-nos a atitude de escuta atenta e discernimento, para não nos deixarmos enganar nem desviar do caminho; a atitude certa é a abertura e a prontidão para ir ao encontro de Deus, quando ele vier ao nosso encontro. A vida não deve ser passada nas distrações, sem atenção àquilo que é realmente importante e decisivo. De fato. Nós vivemos em contínuo estado de Advento, à espera dos novos céus e da nova terra que Deus prepara para aqueles que o amam.