Em nota conjunta, CNBB clama pela presença do Estado diante do aumento da violência contra os povos indígenas

Sete instituições assinaram nota conjunta, entre elas a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o intuito de juntar as vozes num alerta à sociedade brasileira. O documento, publicado no dia 17 de agosto, no Jornal O Globo, expressa a extrema preocupação diante da escalada da violência contra os povos indígenas, verificada em boa parte dos estados brasileiros.

Na nota, as instituições alegam que é “é impossível não notar a permanência de um clima de terra sem lei sobre diversas etnias”, a exemplo dos recentes conflitos em Douradina (MS) contra os Guarani e Kaiowá.

O texto é assinado por dom Jaime Spengler, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); dom Leonardo Ulrich Steiner, presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI);  Maria Victoria Benevides, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo – Comissão Arns;  Helena Bonciani Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC);  Patricia Vanzolini, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil- Seção São Paulo (OAB-SP); Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Confira a nota na íntegra:

“Juntamos aqui as nossas vozes num alerta à sociedade brasileira. É extremamente preocupante a escalada da violência contra os povos indígenas, verificada em boa parte dos estados onde estão presentes. Apesar do atual governo ter criado o Ministério dos Povos Indígenas, implementado a fiscalização sobre seus territórios e gerado expectativas em relação à demarcação e regularização de suas terras, é impossível não notar a permanência de um clima de “terra sem lei” sobre diversas etnias, tristemente exemplificado nos recentes conflitos em Douradina (MS), contra os Guarani e Kaiowá.

Depois de muito resistir nos últimos anos, os indígenas no Brasil foram colocados no centro de uma situação não só de insegurança, mas de incongruência jurídica. Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu seus direitos territoriais como cláusulas pétreas da Constituição, tornando sem efeito a tese do Marco Temporal. O Congresso Nacional reagiu para atacar estes mesmos direitos, aprovando a Lei 14.701 no apagar das luzes do mesmo ano. Submetido o tema aos mecanismos de controle da constitucionalidade, surpreendeu a iniciativa do ministro Gilmar Mendes, decano do STF, já em 2024, de promover uma “conciliação entre as partes” sobre questões relativas às terras indígenas, em vez de ratificar o que fora estabelecido pela Corte. É a partir dessa conjuntura que acompanhamos o aumento dos casos de violência.

“A cobiça sobre o habitat destes povos oculta o fato de que são os que mais preservam o meio-ambiente”

Alvo dos interesses de setores predatórios do agronegócio e da mineração, os indígenas tentam sobreviver, como fazem há mais de 500 anos. Lutam para fazer valer a Lei maior que os protege: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, diz o artigo 231 da Constituição Federal. Portanto, são detentores de direitos inalienáveis e inegociáveis, embora desrespeitados a cada dia.

O ambiente “terra sem lei” tem consequências graves. Segundo o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, divulgado pelo CIMI, foram registrados, só no ano passado, 1276 conflitos envolvendo direitos territoriais, com invasões, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio. Foram 208 indígenas assassinados no mesmo período. A cobiça sobre o habitat destes povos oculta o fato de que são os que mais preservam o meio-ambiente, além de nos legar toda uma herança no campo alimentar, bem como no manejo sustentável da fauna e flora. Suas tradições e culturas, parte integrante do seu viver, exigem a proteção de seus territórios.

“Pede-se, em caráter de urgência, a manutenção da Força Nacional nos territórios em conflito, evitando desfechos sangrentos e dando a assistência devida aos indígenas”

Os indígenas não precisam pedir de joelhos o que lhes é assegurado pela Lei. Não precisam ser fotografados em estado de desnutrição grave, tal como aconteceu aos Yanomami, cercados por garimpeiros que envenenam seus rios e grileiros que incendeiam suas matas. Não precisam ser alvo das milícias e bandos de jagunços, quando é dever do Estado e do governo federal garantir a segurança em seus territórios. Os indígenas não precisam morrer pelo direito à vida.

Por estas razões, nossas entidades clamam pela presença do Estado diante da escalada da violência, para que seus agentes atuem com firmeza, sob o império da lei. Ao Ministério da Justiça, pede-se, em caráter de urgência, a manutenção da Força Nacional nos territórios em conflito, evitando desfechos sangrentos e dando a assistência devida aos indígenas. À Procuradoria Geral da República, responsável pelo Ministério Público Federal, pede-se a investigação e aplicação da lei sobre os crimes praticados. Do STF, aguardamos que declare o quanto antes a inconstitucionalidade da Lei 14.701/23, cuja vigência acarreta a paralisação da demarcação das terras indígenas e o aumento das agressões contra as comunidades. E, por fim, a todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, conclamamos uma permanente vigília, na certeza de que o extermínio dos povos originários é também a morte do nosso futuro como Nação”.

 

*Texto publicado originalmente no jornal O Globo. Foto de capa: Tiago Miotto/Cimi

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