Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo
A pandemia do coronavírus está sacudindo a humanidade. Mais uma vez fica evidente que vivemos numa “casa comum” na qual se partilha e se cuida da vida. A globalização faz chegar em todos os recantos do mundo, em pouco tempo, os seus melhores frutos e faz partilhar os mais desafiadores problemas e doenças.
Um vírus que se espalha de forma silenciosa e rápida provoca muitas perguntas não deixando nenhuma pessoa e nem área do conhecimento e da organização social indiferente. Neste contexto trágico as perguntas levantadas devem ser levadas à sério, mas sem a pretensão de chegar a conclusões. Depois que passou a crise abre-se o tempo propício para encaminhar aquilo que foi aprendido no sofrimento e no choro.
A palavra quarentena está na ordem do dia. Viver em quarentena é fazer a experiência de viver de uma maneira nova. É desmontar uma rotina que talvez se estivesse vivendo a muitos anos. É cancelar uma agenda contra a vontade. É diminuir ou até isolar-se totalmente das pessoas e das programações sociais e institucionais. Enfim, fazer a experiência, contra a vontade própria, de que é possível viver de outro modo.
A tradição da Igreja Católica convida os seus fiéis, anualmente, a viverem uma quaresma. O coronavírus obriga a fazer a experiência da quarentena contra a vontade e a quaresma faz o convite apelando para a decisão livre e voluntária. As três atitudes básicas da vivência quaresmal vão ao encontro da pandemia do coronavírus: oração, jejum e caridade.
A oração é uma atitude relacional com Deus e que manifesta a fragilidade humana, pois o ser humano não se basta a si mesmo, além de ser uma criatura extremamente frágil e vulnerável. A imposição das cinzas serve de sinal. Quando olhamos o mundo atual ficamos impressionados e admirados com as múltiplas invenções que qualificaram o cuidado com a vida. Tudo isto pode passar a falsa impressão que temos o controle de tudo e podemos tudo. Mas um vírus nos abre os olhos que precisamos levar muito mais a sério a fragilidade e os limites humanos.
O jejum convida a prestar atenção aos instintivos, aos prazeres e cobiças desenfreados e insaciáveis. O mundo é limitado em recursos naturais, financeiros e de estruturas de saúde, mas investe desenfreadamente em áreas, mesmo que sejam importantes, mas são tão urgentes quanto o cuidado com a vida e saúde.
A caridade nos lembra constantemente que existo, vivo e sobrevivo porque existem outras pessoas semelhantes a mim, porque existe uma sociedade organizada. Nas
conquistas da modernidade temos a valorização do indivíduo e da liberdade. Porém, em muitas situações estes valores desvirtuaram-se num modo de viver individualista.
Na crise atual fica escancarado o quanto dependemos uns os outros, o quanto precisamos da colaboração mútua. Sem a colaboração conjunta não é possível superar tempos de crise. Os decretos das autoridades constituídas apontam para o próximo, ao valorizar do público e do comunitário
Todas as crises são muitos doloridas, especialmente aquelas que tem vítimas fatais. A virtude teologal da esperança sublinha que o ser humano foi criado para sempre erguer-se, a não se prostrar. Depois do tempo quaresmal a Igreja celebra a Páscoa. É tempo de reavivar a esperança e proclamar que o ser humano tem todas as condições de se refazer de seus sofrimentos e quedas.