Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
No último 28 de novembro celebramos o Dia Nacional de Ação de Graças. No Brasil, esta data foi estabelecida em 1949, pelo presidente Gaspar Dutra. Posteriormente, foi alterada pelo presidente Castelo Branco. A celebração não é propriamente das igrejas cristãs, é popular nos Estados Unidos, e suas raízes vêm do século XVII, quando grupos de imigrantes ingleses chegavam aos Estados Unidos fugindo da perseguição religiosa.
Há quem questione se faz sentido celebrar um dia de ação de graças quando o mundo vive o terror de guerras, o aquecimento global coloca o planeta no risco a extinção, a região amazônica sofre as feridas de uma seca nunca vista e nós, no Vale do Rio Taquari e do Rio Pardo ainda temos expostas as feridas de enchentes devastadoras. Parece que temos mais motivos para lamentar, temer e protestar que para agradecer.
Se considerarmos a história do povo hebreu, ele teve motivos de sobra para lamentar, protestar e desesperar. Inumeráveis foram os exílios, as invasões, as guerras, as tragédias, as divisões internas e as lutas fraticidas, as secas e as rapinas. No entanto, no final do Antigo Testamento, um crente escrevia: “Em tudo, Senhor, engrandeceste o teu povo: tu o honraste e não o desprezaste, assistindo-o em todo tempo e lugar” (Sb 19,22).
O Cântico dos jovens na fornalha (cf. Dn 3,52-79) nos desafia a louvar a Deus desde dentro das tribulações. Ao invés de lamentar as perseguições, o fogo e as tragédias, eles convidam a natureza a fazer coro com eles no louvor a Deus. Eles nos ensinam que a natureza não é nossa inimiga, mas sujeito ativo da bênção e do louvor. Ela não é apenas o lugar físico dos acontecimentos, mas companheira e aliada na resistência e no canto.
No início dos anos 50 dC, os cristãos da Tessalônica viviam momentos difíceis. A maioria, deles havia sido escravo e recebeu o Evangelho como confirmação dos seus anseios de dignidade e liberdade. E, por isso mesmo o receberam “em meio a muita tribulação” (cf. 1,6). Sabedor disso, Paulo escreve: “Alegrai-vos sempre. Orai sem cessar. Em tudo dai graças, porque essa é a vontade de Deus, em Cristo Jesus, a vosso respeito” (1Ts 5,16-18).
As gerações posteriores conheceram acusações, perseguições, prisões, martírio, exílio. Mas em vez de pedir a Deus que os livrasse disso, pediam coragem para continuar dando testemunho (cf. At 4,23-31), e viam o futuro com esperança: “Eu vi um novo céu e uma nova terra. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque todas as coisas de antes passaram” (Ap 21,1-4).
Cercados por essa nuvem de testemunhas, damos graças a Deus ainda em meio aos destroços das enchentes, pois não esquecemos as muitas mãos que estendemos e nos foram estendidas. Damos graças a Deus porque crescemos na consciência de que a natureza não é nossa inimiga, nem apenas uma fonte inesgotável de recursos, mas fonte de bênção e de vida; ela se junta a nós na ação de graças. E damos graças a Deus também por tantos irmãos e irmãs que despertaram e passaram a cuidar com mais carinho e respeito as criaturas que Deus confiou à humanidade.