Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro
Chegamos ao final do mês de agosto, mês em que refletimos e rezamos sobre a realidade das vocações na Igreja e intensificamos nossas orações por elas, em suas mais diversas formas. Neste último domingo de agosto, nos dedicamos a rezar e a refletir sobre o a vocação e a missão dos fiéis leigos, a maioria do povo de Deus, e o papel fundamental que tem na vida da Igreja como protagonistas na ação evangelizadora. O último domingo de agosto é também o dia nacional do catequista, missão tão importante dado àqueles que complementam a formação na fé ou tantas vezes dão as bases do conhecimento na fé a nossas crianças, jovens e adultos:
O momento da catequese é aquele que corresponde ao período em que se estrutura a conversão a Jesus Cristo, oferecendo as bases para aquela primeira adesão. Os convertidos, mediante um ensinamento e um aprendizado devidamente prolongado no decorrer de toda a vida cristã, são iniciados no mistério da salvação e num estilo de vida evangélico. Trata-se, de fato, de iniciá-los na plenitude da vida cristã (Diretório Geral para a Catequese, 63).
Dentro do mês vocacional recordamos o trabalho dos fiéis leigos que em nossas paróquias e comunidades eclesiais desempenham inúmeros trabalhos, em conselhos pastorais, administrativos, ministérios extraordinários da comunhão, das exéquias, pastorais, movimentos, enfim os vários serviços que são expressão da vitalidade da Igreja e da eficácia da ação do Espírito nela. Além de viver o chamado específico da vocação matrimonial ou o seu chamado à vida de família, abraçam com zelo a missão própria e inerente da vocação batismal, fazendo do mundo e das realidades do dia a dia o grande altar onde oferecemos nossas vidas e nossas ações a Deus.
No último domingo do ano Litúrgico, na solenidade de Cristo Rei, vamos também celebrar o dia do cristão leigo, ressaltando o aspecto de sua vivência cristã no mundo, onde este tem a missão de santificar as realidades temporais, sendo fermento no meio da massa, sal da terra e luz no mundo. Embora o trabalho nas comunidades seja de grande importância, a missão fundamental do leigo é a missão no meio do mundo, junto às várias situações complexas que se nos apresentam hoje. Rezemos para que nossos fiéis leigos, em seus diversos trabalhos, sejam verdadeiro fermento na massa, fazendo crescer a civilização do amor. Rezemos também por nossos catequistas em sua importante tarefa de transmissão da fé em nossas comunidades.
Celebrando o 21º domingo do Tempo Comum, a palavra de Deus fala da necessidade de aprendermos a olhar para além dos nossos contextos existenciais concretos e percebermos todos aqueles que precisam da ação renovadora do Evangelho. O Papa Francisco tem insistido muito na realidade de uma Igreja em saída, uma Igreja que se faz presença viva do Senhor misericordioso em todos os lugares, principalmente nas periferias existenciais. Não podemos ser uma Igreja escondida ou reduzida à sacristia ou às secretarias. Cristo, realidade sempre nova e onde se encontra escondida o mistério do homem, deve ser comunicado, já que todos os corações têm desejo dessa presença. Nossa tarefa é deixar que nossa vida transborde a fé que professamos. Nossa vivência da fé deve ser algo tão importante e marcante que testemunhar esta fé seja algo quase que espontâneo para nós. Respeitamos as pessoas ao nosso redor e sabemos reconhecer aquelas que são as Sementes do Verbo em outras manifestações religiosas, mas não podemos deixar de falar de algo que é e faz um bem a nós, daquilo que vimos e ouvimos. Assim como os apóstolos que não se curvaram às proibições da autoridade da época e seguiram anunciando, crendo que é preciso obedecer a Deus antes que aos homens.
Além desta preocupação pelo bem do outro, o Evangelho (Lc 13, 22-30) nos coloca um outro questionamento, ao apresentarem uma pergunta a Jesus: Naquele tempo: Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém. Alguém lhe perguntou: ‘Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?’ Jesus respondeu: ‘Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão. Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, do lado de fora, começareis a bater, dizendo: `Senhor, abre-nos a porta!’ Ele responderá: `Não sei de onde sois.’ Então começareis a dizer: `Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças!’ Ele, porém, responderá: `Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!’ Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac e Jacó, junto com todos os profetas no Reino de Deus, e vós, porém, sendo lançados fora. (Lc 13, 22-28).
São poucos os que se salvam? Tratava-se duma questão teórica que se punha no judaísmo da época; Jesus deliberadamente não quer resolver uma questão teórica, mas aproveita a situação para transmitir um ensino verdadeiramente útil e prático. Por um lado, declara o princípio da universalidade da salvação: Hão de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul. Por outro lado, esclarece que não é suficiente uma justificação de tipo comunitário ou sociológico – comemos e bebemos contigo…, pois não basta o fazer parte do povo, é preciso lutar, levar uma vida exigente consigo mesmo esforçai-vos por entrar pela porta estreita, sem ter ilusões quanto às dificuldades que esperam aquele que quer salvar-se.
Primeiramente, devemos considerar que não bastam somente ações externas em nossa vida cristã. É necessário o encontro com o Senhor que se manifesta em uma vida inteira de acordo com o Evangelho. Precisamos de ações exteriores, mas que sejam fruto de um intenso encontro com o Senhor, da transformação da nossa vida. Aquilo que rezo e falo deve estar ligado ao que creio e àquilo que faço. Eis aí a grande missão e o grande Dom que o Espírito Santo quer nos confiar: que nós saibamos viver com coerência.
O Evangelho continua e vai terminar dizendo o seguinte: Virão homens do oriente e do ocidente, do Norte e do Sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus. E assim há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos.’ O chamado à salvação não vai só para os judeus, mas todos são chamados a ela, como a Igreja vai vendo isso acontecer aos poucos, ao ser testemunha dos não judeus que aos poucos passam a acolher a salvação em Cristo Jesus. Assim, a Igreja em cada época da história, foi chamada a proclamar o Evangelho em novas frentes e em novas realidades, como aconteceu na época da chegada dos portugueses ao nosso país, lindado com novas realidades e novas situações. A palavra do evangelho nos fala para que nos firmemos em nossa vida de fé e em nossa coerência da fé. Saibamos ser presença de Deus ante as novas realidades que vão se apresentando diante de nós.
Na primeira leitura (Is 66,18-21), Isaías já profetiza uma realidade apresentada no Evangelho: virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória. Porei no meio deles um sinal, e enviarei, dentre os que foram salvos, mensageiros para os povos (Is 66, 18-19). A leitura é tirada da parte final do último capítulo de Isaías. Aqui se anuncia a conversão dos gentios e a universalidade da salvação, uma perspectiva que sem dúvida ultrapassa o tempo em que o escrito inspirado recebeu a sua forma definitiva. A palavra do Senhor que há de ser dirigida a todos os povos e Deus ainda promete suscitar aqueles que serão os anunciadores: para as terras distantes, e, para aquelas que ainda não ouviram falar em mim e não viram minha glória. Esses enviados anunciarão às nações minha glória, e reconduzirão, de toda parte, até meu santo monte em Jerusalém, como oferenda ao Senhor, irmãos vossos, a cavalo, em carros e liteiras, montados em mulas e dromedários, – diz o Senhor – e como os filhos de Israel, levarão sua oferenda em vasos purificados para a casa do Senhor. Escolherei dentre eles alguns para serem sacerdotes e levitas, diz o Senhor.
Aquilo de que hão de vir homens de todos os lados já está profetizado em Isaías. Isso se cumpre em Jesus Cristo e se cumpre na Igreja, que é composta de gente de todos os povos e que também envia em missão a todos os povos. No próximo mês de outubro, o Papa Francisco convocou para toda a Igreja o mês missionário extraordinário, pedindo uma grande reflexão sobre a missionariedade da Igreja, mostrando mais uma vez que Cristo é enviado a todos os homens, sem exceção. Faz parte do cristão o estado permanente de missão, devendo estar mais presente em cada paróquia, em cada comunidade, pois quem encontrou Cristo deve ter alegria em comunicá-lo. Há muitas regiões de antiga tradição católica que precisam ser evangelizadas. Precisamos também ali sinais evangelizadores que contagiam todos os ambientes.
Ao mesmo tempo, vemos que a Carta aos Hebreus (Hb 12, 5-7.11-13) vais mais uma vez nos recordar que o Senhor vai nos conduzindo e vai também nos corrigindo em nossa peregrinação por esta terra. A leitura parece, à primeira vista, apresentar um tema um tanto deslocado em relação ao que nos é proposto pelas outras duas leituras; no entanto, as ideias propostas são uma outra forma de abordar o aspecto da “porta estreita”: o cristão enfrenta com coragem os sofrimentos e provações, vê neles sinais do amor de Deus que, dessa forma, educa, corrige, mostra o sem sentido de certas opções e nos prepara para a vida nova do “Reino”.
Irmãos: Já esquecestes as palavras de encorajamento que vos foram dirigidas como a filhos: ‘Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho’. É para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos trata. Pois qual é o filho a quem o pai não corrige? (Heb. 12, 5-7). O Senhor nos corrige para andarmos em uma vida de coerência e fidelidade ao Evangelho. O Autor da Carta aos Hebreus faz um apelo à nossa confiança no Senhor. Deus repreende os que ama e prova os Seus filhos preferidos. As dificuldades da vida que nos oprimem podem ser vistas como sinais da benevolência de Deus para conosco.
O Senhor vai nos mostrando a importância do anúncio, não como uma realidade extraordinária, mas como realidade constante do dia a dia do Cristão. Que todos, bispos, padres, leigos, consagrados, religiosos, religiosas assim o façam. Agradecemos a Deus pela disponibilidade de tantos de nossos irmãos e irmãs que se entregam de maneira especial à missão em especial os nosso catequistas. Para terminar, recordemos as palavras do papa Francisco em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, 121: “Certamente todos somos chamados a crescer como evangelizadores. Devemos procurar simultaneamente uma melhor formação, um aprofundamento do nosso amor e um testemunho mais claro do Evangelho. Neste sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem constantemente; isto não significa que devemos renunciar à missão evangelizadora, mas encontrar o modo de comunicar Jesus que corresponda à situação em que vivemos. Seja como for, todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua força, e dá sentido à nossa vida. O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer. O testemunho de fé, que todo o cristão é chamado a oferecer, implica dizer como São Paulo: «Não que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro para ver se o alcanço, (…) lançando-me para o que vem à frente» (Fl 3, 12-13)”. Que Deus nos abençoe a todos!