Card. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo – SP
1. Na semana passada o senhor participou da reunião do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização em Roma. Qual foi o fruto dessa reunião?
R. De fato, foi a 1ª reunião plenária dos membros desse Pontifício Conselho, criado pelo papa Bento XVI em 2010; ao todo, são 20 participantes, representando vários continentes e a Cúria Romana. O trabalho consistiu em clarear o significado da “nova evangelização” e as tarefas do próprio Pontifício Conselho. Os frutos vão aparecer com o passar do tempo, na medida em que despertar uma nova consciência missionária em toda a Igreja.
2. Quais são as competências e metas do Pontifício Conselho?
R. O grande objetivo aparece no próprio nome desse Organismo: “a promoção da nova evangelização”. É uma tarefa imensa, a mesma que a Igreja na América Latina já se propôs na Conferência de Aparecida, e significa passar de uma pastoral de conservação, para uma pastoral missionária, formar cristãos que sejam bons discípulos missionários de Jesus Cristo e desencadear um processo de verdadeira conversão pastoral missionária na Igreja toda. Isso requer tempo e um esforço consciente na busca de uma atitude nova da Igreja, retomando com fé e entusiasmo a sua missão primária e indeclinável: anunciar o Evangelho e dar testemunho de Cristo a todos.
3. Por que seria necessária uma “nova evangelização” atualmente?
R. Antes de tudo, a Igreja precisa continuar a fazer o que sempre fez, ou seja, anunciar o Evangelho a todos. Não podemos supor que isso já foi feito de uma vez para sempre, pois cada geração precisa ser novamente evangelizada; além disso, mais da metade da humanidade ainda não recebeu o Evangelho. Vivemos hoje uma situação de crise na vida cristã e eclesial: há situações novas na cultura contemporânea, um forte processo de secularização, que faz com que a postura de muitas pessoas em relação à religião e a Deus mude fortemente, indo desde o abandono da fé e dos valores decorrentes dela até à adesão a formas primitivas de religiosidade, como a magia, a idolatria ou o fetichimo. Temos, portanto, a necessidade de propor novamente o anúncio cristão e de encontrar novo eco no coração do homem contemporâneo para a mensagem cristã. O Papa Bento XVI manifestou em várias ocasiões a sua preocupação em relação à descristianização da Europa e de outras partes do mundo; o mesmo acontece nas nossas grandes metrópoles.
4. Como se chegou a esta situação?
R. Os motivos podem ser tantos, mas é certo que a cultura e o ambiente social mudaram muito; nesse processo de mudança, torna-se necessário re-significar a proposta religiosa cristã, além de rever os processos de transmissão da fé, que já não acontecem mais como em tempos passados. Certas correntes do pensamento pós-moderno também contribuem para produzir uma postura secularista em relação à proposta religiosa.
5. É a primeira vez que isso acontece na história da Igreja?
R. Não; mas já foi necessário promover nova evangelização em vários outros momentos da história, mesmo sem usar este mesmo conceito. Nos séculos 7º e 8º, foi preciso re-evangelizar a Europa Continental; nos séculos 12 e 13, um vasto movimento missionário popular renovou novamente a evangelização por toda a Europa. Após o Concílio de Trento, no século 16, um vigoroso impulso missionário tomou conta da Igreja na realização da reforma católica. O mesmo já está acontecendo neste período, após o Concílio Vaticano II. O Espírito Santo não abandona a Igreja e desperta nela energias sempre novas, para que seja fiel à sua missão.
6. Como se fará a nova evangelização em nossos dias?
R. De muitas maneiras e não por meio de uma única proposta ou ação. O que é indispensável é uma renovada atenção à Palavra de Deus e aos “sinais dos tempos”; um renovado encontro com Jesus Cristo e com a própria identidade cristã e eclesial; um revigorado ardor missionário, que leve a compartilhar as riquezas da fé cristã e eclesial e a alegria de crer. A nova evangelização será fruto de um amplo envolvimento de toda a comunidade eclesial, dos ministros ordenados, religiosos e leigos, de todas as organizações e expressões de vida eclesial. E ela será também fruto de muita oração, dedicação e ousadia, como tantos santos e grandes evangelizadores fizeram ao longo do tempo, antes de nós.
7. No dia 9 de julho celebramos a memória do Beato Padre José de Anchieta, Apóstolo do Brasil. O exemplo de Anchieta pode inspirar-nos na tarefa da nova evangelização?
R. Sem dúvida, e nós, paulistas, somos muito privilegiados por termos no Padre Anchieta um dos fundadores da Igreja em São Paulo e da própria cidade. Para nós, isso é muito inspirador e motivador. Anchieta, ainda muito jovem, foi contagiado pelo exemplo dos primeiros missionários jesuítas que foram ao Oriente, no século XVI, e quis ser um deles. Acabou vindo ao Brasil, apenas com 19 anos, aqui permaneceu e foi um missionário extraordinário. Homem de fé, animado por profundo amor a Cristo, à Igreja e aos indígenas, enfrentou e superou dificuldades imensas, porque trazia dentro de si a chama missionária, que ardia e o consumia… Deus não deixa de suscitar evangelizadores ardorosos também em nossos dias, que sejam capazes de contagiar também outros irmãos. Jesus Cristo não abandona a sua Igreja.
8. Por onde começar?
R. Graças a Deus, já começamos! Há muitas pessoas, grupos e organizações em plena ação de nova evangelização. Mas isso precisa ampliar-se, envolvendo pessoas, famílias, escolas, todas as organizações da Igreja. O início de tudo é o reencontro com Cristo – “partir novamente de Cristo” – e com a própria fé. Só os discípulos tornam-se verdadeiros missionários. Tornar-se discípulos, faz reencontrar a alegria de ser cristãos e membros da Igreja Católica! Alegria capaz de contagiar com a Boa Nova…
Publicado em O SÃO PAULO, ed de 07.06.2011
