Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro
É com muita alegria que neste domingo, 19º Domingo do tempo Comum, dia do Senhor, comemoramos o dia dos pais. Dentro deste mês vocacional, rezamos nesta semana pela vocação familiar, fazendo uma saudação especial a todos os pais, que assumem a paternidade e estão junto com suas esposas formando famílias cristãs, abraçando esta responsabilidade de passar aos filhos a fé, os valores básicos da vida em sociedade, ajuda-los no crescimento pessoal, espiritual, material, cultural, quem os preparem para viver cada vez mais sua vida de bons cristãos, bons seres humanos que possam fazer a diferença ali onde se encontrem. Rezamos também por todos os pais falecidos, para que estejam junto do Pai Eterno cuidado de nós.
Rezando pela família e pela vocação matrimonial neste segundo domingo do mês vocacional, consideramos o aspecto natural da relação e atração homem e mulher em sua complementariedade, mas consideramos também o aspecto da vocação, chamados por Deus a ser família e continuadores da obra da criação, a estar com Cristo no centro da vida familiar, sendo esta realidade o que dá sentido à vida do marido, da esposa e dos filhos, à semelhança da Sagrada Família de Nazaré que tema centralidade de Cristo como seu fundamento.
Iniciamos hoje a Semana Nacional da Família que vai do dia 11 ao dia 17 e tem como tema A família, como vai? Esperamos que em nossa arquidiocese, paróquias e comunidades possam refletir, aprofundar e fortalecer os laços familiares daqueles que caminham em família, na comunidade cristã, sendo ao mesmo tempo um sinal para fora das comunidades. A vocação familiar que celebramos neste segundo domingo de agosto deve nos levar a expressar para fora a importância da família bem constituída, da família que sabe aceitar-se mutuamente, que sabe levar as cruzes e resolver em conjunto os problemas, que sabe perdoar-se, conviver, crescer cada vez mais na fé. Numa realidade em que os valores fundamentais vão sendo perdidos, sabemos que são necessários testemunhos que nos incentivem a valorizar a importância da família e que as pessoas possam ver que mesmo com as dificuldades que advém das circunstâncias do dia a dia, a vivência da fé faz a diferença. Em meio a tantas propagandas contrárias à permanência e perseverança da vida de família, que os bons sinais sejam cada vez mais presentes e eficazes. Que esta pergunta: A família, como vai? Não nos faça olhar somente para as realidades familiares, mas também para cada um de nós, para que encontremos caminho eficazes de repropor a importância da vocação familiar em nossos dias.
A Palavra de Deus que nos é dirigida neste final de semana, 19º Domingo do Tempo comum, vem dando sequência ao que temos ouvido nos domingos anteriores: de um lado nos lembra a importância da vigilância e da fé: o verdadeiro discípulo não vive de braços cruzados, numa existência de comodismo, mas está sempre atento e disponível para acolher o Senhor, para escutar os seus apelos e para construir o Reino aqui e agora.
O Evangelho (Lc 12, 32-48) vem nos apresentar o quão importante é a atitude e vigilância para a vida de todo cristão, mas também de todos os seres humanos. Apresenta uma catequese sobre a vigilância. Propõe aos discípulos de todas as épocas uma atitude de espera serena e atenta do Senhor, que vem ao nosso encontro para nos libertar e para nos inserir numa dinâmica de comunhão com Deus. O verdadeiro discípulo é aquele que está sempre preparado para acolher os dons de Deus, para responder aos seus apelos e para se empenhar na construção do Reino.
Ele tem seu início lembrado a necessidade e a conveniência de uma vida livre de apegos a bens temporais: “‘Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino. Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói. Porque onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 32-34). O pano de fundo desta questão é a pergunta sobre quem é o nosso Deus: o dinheiro ou o Pai que está nos céus? Logo após, apresenta então a realidade da vigilância: “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrirem, imediatamente, a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os empregados que o senhor encontrar acordados quando chegar” (Lc 12, 35-37). A palavra de Deus vem então nos falar dessa vigilância em acolher o Senhor que chega, que vem ao nosso encontro, de forma inesperada. Usando a imagem de servos que esperam o senhor voltar de uma festa, assim o cristão deve estar sempre atento aos sinais do Senhor que vem a nós e que passa. Estar preparados porque não sabemos nem o dia nem a hora! Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes’ (Lc 12, 40). Seguidamente temos a indagação de Pedro sobre os destinatários da parábola, ao que segue a resposta do Senhor com a seguinte conclusão: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido”(Lc 12,48)! Ante a realidade de um mundo onde se busca unicamente ter para si e não se preocupar com o outro, somos chamados a viver conscientes de que estamos com os pés neste mundo, mas temos contas a prestar diante de Deus. Por isso somos chamados a ser vigilantes e a não deixar para amanhã a nossa vida de conversão, de entrega a Deus e de fazer o bem ao outro. Quando menos esperarmos, nossa hora chegará. Vigiamos não por medo, mas porque temos consciência da missão que o Senhor nos confiou.
A primeira leitura deste domingo (Sb 18, 6-9) fala-nos da noite da libertação: A noite da libertação fora predita a nossos pais; Ela foi esperada por teu povo, como salvação para os justos e
como perdição para os inimigos. Com efeito, aquilo com que puniste nossos adversários, serviu também para glorificar-nos,
chamando-nos a ti. Os piedosos filhos dos bons ofereceram sacrifícios secretamente e, de comum acordo, fizeram este pacto divino: que os santos participariam solidariamente.
O “sábio” que nos fala na leitura assegura que só a fidelidade aos caminhos de Deus gera vida e libertação; e que ceder aos impulsos do egoísmo e da injustiça gera sofrimento e morte. Hoje, como ontem, num mundo de trevas em relação aos valores, nem sempre parece fazer sentido trilhar o caminho do bem, da verdade, do amor, do dom da vida. Na realidade, onde é que está o caminho da verdadeira felicidade? Ceder ao mais fácil, à moda, ao “politicamente correto”, ou na fidelidade aos valores do Evangelho, ao chamado de Jesus? Como é que eu me situo face às pressões que, todos os dias, a opinião pública ou a moda me impõem? Devemos preparar-nos para que, quando o Senhor passar, possamos estar disponíveis às maravilhas de Graça e Misericórdia que Ele tem a nos oferecer.
Essa realidade aparece com muita clareza quando lidamos com a questão da fé, que vai nos ser apresentada na segunda leitura, esta clássica passagem da carta aos Hebreus (Hb 11, 1-2.8-19): apresenta o que é a fé assim como apresenta belos exemplos desta realidade, onde cada versículo mereceria uma reflexão da nossa parte: A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera,
a convicção acerca de realidades que não se veem. Foi a fé que valeu aos antepassados um bom testemunho. Foi pela fé que Abraão obedeceu à ordem de partir para uma terra que devia receber como herança, e partiu, sem saber para onde ia. Foi pela fé que ele residiu como estrangeiro na terra prometida, morando em tendas com Isaac e Jacó, os coerdeiros da mesma promessa. Pois esperava a cidade alicerçada que tem Deus mesmo por arquiteto e construtor. Foi pela fé também que Sara, embora estéril e já de idade avançada, se tornou capaz de ter filhos, porque considerou fidedigno o autor da promessa. É por isso também que de um só homem, já marcado pela morte, nasceu a multidão ‘comparável às estrelas do céu e inumerável como a areia das praias do mar’. Todos estes morreram na fé. Não receberam a realização da promessa, mas a puderam ver e saudar de longe e se declararam estrangeiros e migrantes nesta terra. Os que falam assim demonstram que estão buscando uma pátria, e se se lembrassem daquela que deixaram, até teriam tempo de voltar para lá. Mas agora, eles desejam uma pátria melhor, isto é, a pátria celeste. Por isto, Deus não se envergonha deles, ao ser chamado o seu Deus. Pois preparou mesmo uma cidade para eles.
O autor convida os fiéis a confiar na posse dos bens futuros, anunciados por Deus, mas invisíveis agora. A nossa caminhada nesta terra está marcada pela finitude, pelas nossas limitações, pelo nosso pecado; mas isso não pode fazer-nos desanimar e desistir: viver de fé é apontar para a vida plena que Deus nos prometeu e caminhar ao seu encontro. É esta esperança que nos anima e que marca a nossa caminhada, sobretudo nos momentos mais difíceis, em que tudo parece desmoronar-se e as coisas deixam de fazer sentido.
Portanto, irmãos, estar vigilantes para quando o Senhor passar, assim como o povo de Deus estava vigilante quando o Senhor passou e tirou do Egito. Ao mesmo tempo, é pela fé que deixamos essa realidade se fazer presente em nosso meio. Mesmo a promessa feita a nosso pai na fé Abraão não se realizou de maneira imediata, só no seu devido tempo.
Que escutemos com atenção a palavra de Deus dirigida neste domingo, ao iniciarmos a semana nacional da família, ao rezarmos pelos pais, enquanto pedimos o dom da vigilância e o dom da fé. Não deixemos para amanhã a conversão. Vivamos o hoje, o agora da Graça de Deus, do Cristo que passa, pois o ontem já se foi e não sabemos se o amanhã chegará. Procuremos fazer o bem e ajudar a quem precisa hoje. O salmo responsorial vem nos lembrar exatamente desta realidade: No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos! Que saibamos fazer a nossa parte enquanto famílias cristãs, trilhando os caminhos do Senhor e, vivendo a fé, esperar aquilo que ainda não vemos.