Dom Manoel Ferreira dos Santos Júnior
Bispo de Registro (SP)
Gosto da definição de Dom Pedro Casaldáliga e Vigil sobre espiritualidade, no livro “Espiritualidade Cristã” onde eles dizem que a espiritualidade não pode estar distante da vida real, pelo contrário, ela acontece no dia a dia de nossa vida.
Diz o livro: “Na mentalidade ocidental o Espírito opõe-se a matéria e ao corpo. No mundo da bíblia, no ambiente cultural semítico, o espírito não se opõe à matéria, nem ao corpo; opõe-se à carne e a tudo o que se está destinado a morte. No contexto semântico bíblico, espírito significa vida, construção, força, ação, liberdade. O espírito não é algo que está fora da matéria ou do corpo ou da realidade real, mas algo que está dentro, que habita a matéria, o corpo, a realidade, e lhes dá vida e os faz ser o que são; enche-os de força, move-os, lança-os ao crescimento e a criatividade num ímpeto de liberdade. O espírito é como o hálito da respiração: Quem respira está vivo, quem não respira está morto. O espírito é que enche a vida e dá seu sentido”.
O espírito de uma pessoa é o mais profundo do seu próprio ser: suas motivações últimas, seu ideal, sua utopia, sua paixão, a mística pela qual vive e luta e com a qual contagia as outras pessoas. “Espírito é o substantivo concreto, e espiritualidade é o substantivo abstrato. Do mesmo modo que amigo é o substantivo concreto do substantivo abstrato amizade. Amigo é aquele que tem a qualidade da amizade. Conforme for o nosso espírito, será a nossa espiritualidade”.
Aprendemos da afirmação anterior que se o que move uma pessoa for para o bem, terá uma espiritualidade boa, se for para o mal, será má. Quando perguntamos qual é a espiritualidade de uma pessoa, devemos perguntar qual espírito a move?
Os espíritos podem ser diversos e até contraditórios. Uma pessoa ambiciosa e exploradora e que procura dominar as outras, pode ter muita espiritualidade, mas de egoísmo, de ambição, idolátrica: um mau espírito a move. Tenho visto muitos que se dizem cristãos, mas estão carregando um espírito de ódio. Vivem agredindo as pessoas e maltratando os mais pobres.
A espiritualidade é cristã quando fundamentada na experiência do seguimento de Jesus, no amor, na solidariedade, justiça, verdade, paz e no perdão. Desta moção do espírito podemos perceber se a espiritualidade vivenciamos é cristã ou não.
Dalai Lama define espiritualidade dizendo: “Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior. Só praticar a religião ainda não é espiritualidade. Hoje há muita gente religiosa e sem Espiritualidade. A religião nem sempre produz em nós mudança. A Espiritualidade leva ao mergulho no mistério do ser”.
Voltando ao livro “Espiritualidade da Libertação”, encontramos uma explicação sobre espiritualidade organizada em duas partes, para melhor entendermos:
- A) (E1) Espiritualidade da Vida: ou motivação fundamental à vida. É o gosto pela vida. Utiliza critérios fundamentalmente humanos para se expressar.
- B) (E2) Espiritualidade Cristã: utiliza os aspectos religiosos eclesiais, como por exemplo, a oração, seguindo o espírito de Jesus.
Podemos assim, perceber que a espiritualidade é mais do que a oração. A oração é uma dimensão importante da espiritualidade, mas uma dimensão. Há muita gente que faz muita oração e não tem nada de espiritualidade cristã. Só tem oração e oração desencarnada da vida. É um orante mecânico, reza por obrigação.
Mas a espiritualidade depende em grande parte da oração. Dom Pedro Casaldáliga ensina que “o agente de pastoral que não reza meia hora por dia, fora as orações comunitárias, não atingiu a estatura de agente de pastoral”. E o que dizer de nós, bispos, padres, religiosos, seminaristas, catequistas e ministros? Como é a nossa vida de oração? No meio de tantos afazeres e preocupações, quanto tempo, por dia, dedicamos à oração, em especial a nossa oração no silêncio e na escuta? Conseguimos rezar em silêncio, pelo menos, meia hora por dia?
A exortação pós Sinodal, Vita Consecrata do Papa João Paulo II, insiste que os religiosos devem buscar a santidade de vida e que ela “só pode ser acolhida e cultivada no silêncio da adoração na presença da transcendência infinita de Deus”. Quanto mais amizade tiver com Deus na oração, mais poderá ser santo e ajudar os seus irmãos (as).
Nossa oração deve trazer consigo a linha do afeto, carinho e amizade para com Deus. Não deve ser uma espiritualidade de gaveta (quite), em que se busca Deus só quando se precisa Dele. Vale a pena ser religioso, porém, é preciso viver a fé baseada no Cristianismo.
A espiritualidade manifesta-se em tudo o que está relacionado à nossa vida. Em nosso jeito de ser e de viver. Cada pessoa tem a sua maneira própria de viver a sua espiritualidade a partir do seu modo de vida e do seu jeito de ser. Cada pessoa é única diante de Deus e do mundo. Deus quis que cada pessoa fosse assim, para revelar o que só ela pode revelar de Deus com sua espiritualidade.
O Papa Francisco nos ensina em sua exortação “Gaudete et exsultat”, sobre a santidade de vida dizendo: “Oxalá consigas identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao mundo com a tua vida. Deixa-te transformar, deixa-te renovar pelo Espírito para que isso seja possível, e assim a tua preciosa missão não fracassará”.
A origem de toda espiritualidade, vocação e missão está em saber e sentir-se amado por Deus, que nos amou primeiro (Jo, 4, 19). O amor de Jesus deve ser a medida do nosso amor. Nossa espiritualidade expressa o todo de nossa vida. Pois ela se dá no relacionamento conosco, com as pessoas e com Deus.
Servi ao Senhor com alegria!
+ Manoel Ferreira dos Santos Junior, MSC.
Bispo Diocesano de Registro
Para refletir:
1) Qual é o Espírito que te move?
2) Espiritualidade é mais do que a oração, mas a espiritualidade depende em grande parte da oração. Quanto tempo você dedica por dia para rezar em silêncio?
Texto Bíblico: Jo, 17, 1-26
Bibliografia:
CASALDÁLIGA, Pedro. VIGIL, José Maria. Espiritualidade da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1996.
GALILEIA, Segundo. O caminho da Espiritualidade. São Paulo: Paulinas, 1985.
João Paulo II. Exortação Apostólica Vita Consecrata. São Paulo: Loyola, 1996.
Papa Francisco, Gaudete et Exsultate, Loyola, 2018.