No Evangelho deste domingo, o Senhor nos apresenta a parábola dos servos que na noite esperam o patrão, e nos exorta à vigilância dizendo: “Estai preparados!” De fato corremos o risco de deixar-nos cair na sonolência, de amortecer um pouco ou muito diante dos deveres cristãos ou não prestar atenção ao sentido de nossa vida, por que vivemos, para onde vamos?

O Senhor nos quer vigilantes, prontos a compreender o que acontece em torno a nós, a colher o significado dos acontecimentos daqui da terra, para vivê-los com os olhos voltados para o alto, até a chegada final de nossa existência em Deus.

Sabemos que Jesus veio revelar-nos o rosto do Pai, o seu reino, as realidades futuras. Mas estas realidades estão escondidas em Deus, são para nós envolvidas na noite do mistério. Por isso Jesus nos fala usando um modo adaptado a nós homens, isto é recorrendo a imagens e símbolos, parábolas.

Jesus se dirige aos apóstolos que estão preparados a dar a vida por ele, usa a linguagem da ternura e da confiança: “Não temais , pequeno rebanho, porque ao Pai vosso agradou dar-vos o seu reino!”.  Propõe a imagem forte dos homens vigilantes: “Estai preparados”  ao empenho, pequenos e grandes. Jesus explica com a parábola dos servos que esperam de noite o retorno do patrão. Os biblistas chamam a nossa atenção para o símbolo da noite temida, desejada, misteriosa. Jesus usou várias vezes esse símbolo em vários episódios do Evangelho.

Comparou a nossa vida terrena à noite, enquanto o dia é símbolo da vida eterna. Nesta terra, Deus e o nosso futuro em Deus nos parecem confusos: vemos as coisas na fatigosa obscuridade da fé, como em um espelho. Somente depois, quando estivermos em pleno dia, na vida sem fim, na luz de Deus, então veremos verdadeiramente, e saberemos e viveremos na plenitude.

Outro símbolo da parábola são os servos, isto é, os homens sobre a terra. O patrão é Jesus. Estava com eles, conosco, viveu em nosso meio, nós o crucificamos. Procura-se cancelá-lo da face da terra. Mas ele voltará de noite. E será dia. Por isso os servos o esperam, sabem que voltará. Estão vigilantes na noite. Assim a humanidade é avisada para esperá-lo vigilantes. Quando e como acontecerá o encontro? A resposta nos introduz ao tema da morte: o patrão que vem é o Senhor que nos acolhe ao fim de nossos dias.

Quantas mortes não são serenadas pela esperança cristã! Mortes sofridas como fim de tudo, como furto, injustiça, castigo. Mas sabemos que viemos de Deus, a ele retornamos. Dizia Santa Teresinha de Lisieux:  Não é a morte que virá procurar-nos, é o bom Deus. Eu não morro, entro na vida.

Também na parábola acontece algo de surpreendente: os servos esperam para servir a seu senhor, mas aqui acontecerá o oposto. Invertem-se as partes. O patrão fará sentar-se à mesa os servos, cinge-se com as vestes e se põe a servi-los.

No caso de Jesus, ele não só disse, mas o fez. Tinha dito: O filho do homem veio não para ser servido mas para servir. Na tarde da Quinta Feira Santa, durante a última ceia, cingiu-se com toalha, e cumpriu o gesto humilde reservado aos servos: lavou os pés de seus apóstolos. Também esses gestos são um símbolo: o símbolo da festa que Deus prepara na sua casa, aos homens que morrem na sua amizade.

Em que coisa faremos consistir a nossa vigilância? É necessário olhar longe, ter diante dos olhos o que será o futuro natural de nossa vida, ter presente o que o Senhor nos promete para o outro lado da vida. Talvez nos tornemos inquietos. Já nos dizia Santo Agostinho: “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e o nosso coração estará inquieto enquanto não repousar em ti.” Não se pode adormecer. A inquietude é condição normal para o cristão. Alguém escreveu: “Um cristão, enquanto está inquieto, pode estar tranqüilo!” Inquieto com o olhar voltado para o futuro, atento a fazer a sua parte. Tranqüilo em consciência. A espera das últimas coisas implica o empenho pelas penúltimas. Deus nos foi revelado por seu Filho como nosso Pai, é o nosso tesouro e enriquece a nossa existência. Saibamos encontrá-lo.

Cardeal Geraldo Majella Agnelo

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