Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora, MG
No segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus define o caminho que o verdadeiro discípulo deve seguir: é o caminho da escuta atenta de Deus e dos seus projetos, da obediência total e radical aos planos do Pai. Cristo reúne os Apóstolos e os introduz no mistério de sua morte e ressurreição.
O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. O Monte Tabor é o lugar da revelação pascal de Cristo, como foi o monte Sinai para Moisés, que ali escutou a voz de Deus. Cristo é o novo Moisés, que ali escutou a voz de Deus. Cristo é o novo Moisés, e sua Páscoa é a certeza definitiva de que somente nele encontramos a plenitude da vida: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado” (cf. Mt 17, 5). A cena gloriosa do Tabor destina-se a colocar na sua verdadeira luz a bem-aventurada Paixão do Calvário. E a nossa vida quotidiana pode ser uma térmica de sofrimentos: oferecido a Deus, torna-se já um vestuário de glória. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
É muito importante relembrar que quando Deus veio à terra, na pessoa de Jesus, adotou uma forma humana. Fisicamente, Jesus se parecia como qualquer outro homem. Ele teve fome, sede, cansaço etc. Sua divindade foi vista apenas indiretamente, em suas ações e suas palavras. Mas, numa ocasião, a glória divina interior de Jesus resplandeceu e se tornou visível. A história é contada em Mateus 17:1-8: “Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. Então disse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias. Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; e eis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi. Ouvindo-a os discípulos, caíram de bruços, tomados de grande medo. Aproximando-se deles, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos e não temais! Então, eles, levantando os olhos, a ninguém viram, senão Jesus”.
O mandato novo é de obediência ao representante de Deus na terra. Quem me ouve, ouve o Pai. Mais: quem a vós ouve é a mim que ouve(cf. Lc 10, 16). Não somos divinos nem únicos para determinar nossas circunstâncias. Por isso todo aquele que quiser ter uma vida própria e independente não pode ser discípulo de Jesus: a da obediência. A regra da vida plena não é fazer o que convém, mas a obediência manifestada nas palavras da nuvem. A vontade divina manifestada na Palavra que desceu do céu, demonstra a vontade divina que é a norma das vidas que d’Ele depende.
Na primeira leitura(cf. Gn 12,1-4a) apresenta-se a figura de Abraão. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta de Deus, que sabe ler os seus sinais, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total e com a entrega confiada. Nesta perspectiva, ele é o modelo do batizado que percebe o projeto de Deus e o segue de todo o coração.
Na segunda leitura(cf. 2Tm 1,8b-10), há um apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhadas e coerentes, as testemunhas do projeto de Deus no mundo. Nada – muito menos o medo, o comodismo e a instalação – pode distrair o discípulo dessa responsabilidade.
Para que entremos no mistério da Transfiguração do Senhor antes de tudo é preciso rezar. Antes de tudo, a primazia da oração, sem a qual todo o compromisso do apóstolo e da caridade se reduz a ativismo. No tempo favorável e santo da Quaresma aprendemos a reservar o justo tempo à oração, pessoal e comunitária, que dá alívio à nossa vida espiritual. Além disso, a oração não é isolar-se do mundo e das suas contradições, como Pedro queria fazer no Tabor, mas a oração reconduz ao caminho, à ação. A existência de cada um de nós consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus, para depois voltar a descer trazendo o amor e a força que disto derivam, de modo a servir os nossos irmãos e irmãs com o mesmo amor de Deus. Façamos esta subida ao monte do encontro do Senhor e voltemos para ad nossas comunidades trazendo o amor, a força, o serviço generoso e a caridade, frutos da oração sincera e que nos ajuda a viver o Evangelho.
Que, rezando e vivendo a santidade, possamos ouvir a voz da nuvem que dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!”(cf. Mt 17,5)