Dom Anuar Battisti
Arcebispo Emérito de Maringá (PR)
Homilia – Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos – Ano C
Queridos irmãos e irmãs, hoje a Igreja, mãe amorosa, volta o olhar e o coração para todos os seus filhos e filhas falecidos. Depois de termos celebrado ontem a glória dos santos no céu, na manhã do sábado dia 01 de novembro de 2025, neste domingo dia 02 de novembro, voltamo-nos agora para os fiéis defuntos, aqueles que nos precederam na fé e aguardam, na misericórdia de Deus, a plenitude da vida eterna. Não celebramos a morte como um fim, mas como passagem para o encontro definitivo com Deus, que é amor e vida. É uma celebração marcada pela saudade, sim, mas também pela esperança que nasce da fé em Cristo ressuscitado, vencedor da morte.
A primeira leitura, do Livro da Sabedoria (Sb 3,1-9), nos traz uma das mais consoladoras verdades da Sagrada Escritura: “As almas dos justos estão nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá.” Aos olhos dos insensatos, pareceu que os justos haviam morrido, “mas eles estão em paz”. A morte, aos olhos humanos, parece derrota, ausência e separação; mas, aos olhos da fé, é reencontro, acolhida e plenitude. Os justos — isto é, os que viveram confiando em Deus, mesmo em meio às provações — não são aniquilados pela morte, mas purificados e conduzidos à luz eterna. Deus é fiel, e sua fidelidade não termina com o último suspiro. A comunhão iniciada com Ele nesta vida continua e se consuma na eternidade.
Na segunda leitura, São Paulo recorda aos Romanos (Rm 5,5-11) que “a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. A fé cristã não é uma teoria sobre a morte, mas uma experiência de amor e confiança em Deus, que ressuscitou Jesus dentre os mortos. Por isso, para nós, a morte é um ato de entrega: quem viveu unido a Cristo, morre em Cristo, e viverá com Ele para sempre. Quando o Apóstolo afirma que “Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores”, ele nos recorda que a salvação é dom gratuito, fruto da misericórdia divina. Essa certeza nos consola e nos enche de compaixão pelos falecidos: ninguém é perdido quando se confia à bondade de Deus.
O Evangelho proclamado (Jo 6,37-40) coloca-nos diante da promessa mais forte de Jesus: “Todo aquele que o Pai me confia virá a mim, e aquele que vem a mim não o rejeitarei… Esta é a vontade daquele que me enviou: que eu não perca nenhum daqueles que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.” Essas palavras são bálsamo para o coração ferido pela saudade. Jesus nos revela que a vontade do Pai é salvar todos os que nele creem, e que a morte não tem poder sobre quem vive unido a Ele. O mesmo Cristo que alimenta nossa fé na Eucaristia é aquele que alimenta a esperança da ressurreição. Na comunhão, participamos já da vida eterna, e é por isso que celebramos esta Missa em sufrágio dos nossos irmãos e irmãs falecidos: porque acreditamos que a comunhão dos santos une céu e terra, vivos e mortos, num só Corpo, o Corpo de Cristo.
Hoje, lembramos com carinho os nomes, os rostos, os gestos de quem partiu: pais, mães, irmãos, amigos, filhos. A saudade é humana e necessária; é expressão do amor. Mas, à luz da fé, a saudade se transforma em oração, e a dor se torna confiança. Em vez de olharmos para o túmulo como um ponto final, olhamos para o céu como um recomeço, como destino de plenitude e encontro. Quantas vezes, diante da morte, não sabemos o que dizer! Mas a fé fala por nós: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará” (Sl 22,1). A fé é essa luz que nos permite atravessar o vale escuro da morte com os olhos fixos no Bom Pastor, que guia suas ovelhas à vida eterna.
De maneira muito especial vamos rezar pelos padres e bispos falecidos quer marcaram a nossa vida. Aquele padre que nos batizou, fez a nossa primeira comunhão e oficiou o seu matrimônio. Rezemos pelos padres falecidos que nos atenderam em confissão. Rezemos pelos padres falecidos que convivemos!
Ao rezarmos pelos fiéis defuntos, a Igreja cumpre um ato de amor. A oração pelos mortos é expressão da comunhão dos santos, que ultrapassa o tempo e o espaço. Nossos entes queridos talvez ainda passem pelo processo de purificação no amor — aquilo que chamamos de Purgatório —, mas nossa oração, nossas missas e nossas obras de caridade oferecidas por eles os ajudam a aproximar-se da luz de Deus. Assim, o amor vence a morte, e a caridade une os corações separados pela distância do tempo.
A liturgia de hoje nos recorda que a morte não é o fim, mas uma travessia. Deus não nos criou para a morte, mas para a vida. Cristo, morto e ressuscitado, abriu para nós as portas do céu, e sua promessa permanece: “Esta é a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40). Que esta celebração renove em nós a esperança da ressurreição, conforte os que sofrem pela perda de alguém e nos ensine a viver cada dia com os olhos voltados para o eterno. Sustentados pela fé, possamos um dia unir nossas vozes à dos que já contemplam a glória de Deus, cantando eternamente: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará.”
Dai, Senhor, aos fiéis defuntos o descanso eterno e a luz perpétua ilumine, Amém!
