Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (BH)
O mundo contemporâneo, adoecido, esgotado, já não suporta as mesmas dinâmicas. O momento atual exige novas posturas, novas respostas. É preciso mudar, abrir-se às lições e aprendizados decorrentes da pandemia da Covid-19 – que será vencida, mas, lamentavelmente, com sacrifícios de muitos-, sinal incontestável do esgotamento do atual modelo social. Com humildade, é fundamental reconhecer: somente uma dinâmica pode presidir, com êxito, este necessário processo de transformação. Não é suficiente uma solidariedade momentânea, que se resume a doar sobras, para “desencargo de consciência”, como se costuma dizer. Urgentes são as ações verdadeiramente eficazes em favor dos pobres e dos vulneráveis.
A situação já é caótica e pesada, com pessoas passando fome – e “a fome dói”, conforme bem diz o povo sertanejo, evidenciando sua sensibilidade social. Há, pois, máxima urgência em se efetivar ações solidárias, consistentes, com o envolvimento e articulação de igrejas, universidades, empreendedores, famílias, jovens altruístas, homens e mulheres generosos. O mundo exige criatividade e assertividade na constituição de redes de solidariedade. Dedicar-se a uma ação solidária realmente transformadora é exercício com frutos que vão além da ajuda emergencial aos que dependem de amparo para não morrer à míngua. Tem a força educativa que faz compreender a importância do outro. Permite reconhecer que distinções fundamentadas no acúmulo de posses e prestígios de nada valem quando vem uma pandemia, como a do terrível coronavírus, fazendo arder, igualmente, a pele do rico e do pobre, do doutor e do iletrado, do crente e do ateu.
O exercício da solidariedade permite enxergar: a vida só será bem vivida quando se reconhecer que é dom para todos. E todos têm o direito de vivê-la como dom. A vida precisa ser bem cuidada, com equilíbrio de hábitos, tratamento adequado do meio ambiente, no horizonte da ecologia integral. Um caminho que exige disposição para se envolver em ações solidárias. Agora, mais do que nunca – não apenas como retórica – a solidariedade deve, de fato, emergir em novas formas de governar, ser selo de autenticidade da fé, fundamento de uma cidadania qualificada, caminho para o desenvolvimento integral. No entanto, há ainda uma longa distância a percorrer. Muitos, com a consciência entorpecida, ainda insistem em considerar “gesto de solidariedade” o sacrifício de “uma gota no oceano” das próprias posses.
Mas, desafiando o egocentrismo, a situação atual empurra o mundo a reconhecer que solidariedade é algo diferente para, assim, encontrar novo caminho, definir novas dinâmicas e práticas. As resistências serão grandes e se revelarão especialmente nos gestos egoístas e mesquinhos. Também naqueles que, passada esta pandemia, permanecerão insanos e nescientes – não sabem que ao permanecer imutáveis conduzem a sociedade, velozmente, a novas pandemias.
Em meio à luta, sem tréguas, envolvendo todos os segmentos da sociedade, desafiados a contingenciamentos e a cuidados urgentes com os mais pobres, há de se compreender: a atual moldura da contemporaneidade é uma lista enorme de falimentos, fácil de serem identificados ouvindo analistas sérios. Se dedicar a essa lista não é agourar ou alimentar sentimentos pessimistas, de fracasso. Trata-se da humilde atitude de deixar-se iluminar e orientar por um novo saber que possa conduzir a humanidade a um ciclo novo, condizente com suas conquistas e avanços. Caminho para convencer a humanidade de que a vida não é simples produto de leis e da matéria.
No horizonte da sociedade está a interrogação inquietante: o que se pode esperar? É hora da autocrítica necessária e, nessa tarefa, os cristãos, os homens e mulheres de boa vontade, devem aprender, de novo, no contexto de seus conhecimentos e experiências, o que é a esperança. É o que o mundo precisa, certamente retomando as raízes da solidariedade – princípio inegociável, que possibilita à humanidade enfrentar falimentos, reconhecer que só o amor redime e reacende a chama da esperança.